Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
Aprendizado para a
sustentabilidade
Nossa espécie tem a capacidade de
adequar sua visão de mundo até que faça sentido com seus interesses e valores. A
realidade é o que é, mas também inclui o que achamos e convencionamos que
passará a ser, por que parte dela é matéria e parte é feita dos nossos sonhos,
utopias, idéias que dão sentido à existência.
Nossos atos, comportamento, moral,
ética são determinados por essas visões da realidade e, estas, são influenciadas
pelas informações e pelos valores que recebemos.
A informação histórica, por
exemplo, nos dá possibilidade de conhecer nossas raízes e herança, as origens
das idéias que definem e dão sentido ao mundo como o conhecemos hoje e como isso
influência em nossas atitudes e escolhas. Até para que compreendamos que são
idéias aprendidas e que elas mudam à medida que mudamos nossas escolhas.
A ideia predominante hoje é a de
que somos os donos da natureza. E ela não é nova. Também não é uma idéia
européia. Muito antes dos “Descobridores” terem chegado ao ´Novo Mundo` os povos
que os antecederam já tinham se encarregado de extinguir a megafauna, como a
preguiça gigante. E nos demais continentes aconteceu o mesmo com o Mamute, o
Tigre-dente-de-sabre e tantas outras espécies. Técnicas de caça primitivas,
ainda usadas hoje, mostram como deve ter sido. Os caçadores queimavam parte dos
ecossistemas obrigando os animais a fugirem até serem encurralados em lamaçais
ou locais onde pudessem ser abatidos mais facilmente. O desastre ambiental devia
ser enorme a cada caçada. Até aqui, não existiram mocinhos em nossas relações
com a natureza. Nossa geração tem a chance de começar a mudar essa história, por
que nenhuma antes de nós teve tantos recursos e conhecimentos disponíveis. Não
podemos nos livrar de nossa herança biológica que nos coloca na parte da cadeia
alimentar reservada aos predadores, mas isso também não significa que tenhamos
que agir como pragas que consomem até se extinguirem depois de destruir tudo.
Diferente das pragas, temos discernimento para escolher entre o bem e o mal.
Também não é justo, com os humanos
que nos antecederam repudiarmos a herança natural e cultural que nos deixaram.
Certos ou errados, graças a eles estamos aqui, hoje. E se temos mais ferramentas
e tecnologias do que eles, mais compreensão e conhecimento da natureza do que
eles tiveram, não se justifica continuar cometendo os mesmos erros. Nossa
geração tem uma oportunidade histórica que nenhuma geração anterior à nossa
teve, a de encontrar um caminho de sustentabilidade na nossa relação com a
natureza.
Precisamos encarar o fato de que
as máquinas que vieram facilitar a nossa vida foram também as principais
responsáveis por aumentar nossa ´pegada ecológica´. A destruição e o uso dos
recursos naturais - que antes da Revolução Industrial se dava numa escala
artesanal -, passou a se dar numa escala industrial. Nos últimos dois ou três
séculos, as gerações que nos antecederam deixaram uma herança cultural e
econômica importante, mas também deixaram atrás de si um rastro de destruição
ambiental, miséria para a maioria e concentração de riquezas e poder para uma
minoria.Talvez este seja o papel da nossa e das próximas gerações, encontrar o
equilíbrio entre o direito ao progresso e ao desenvolvimento humano e a
sustentabilidade da natureza, o que vai exigir uma mudança radical na forma como
pensamos e fazemos as coisas. Podemos não conhecer exatamente como ser
sustentáveis, mas não temos alternativas a não ser tentar, aprendendo no próprio
ato de caminhar, por que a história não nos inspira com bons exemplos de
sustentabilidade.
A boa noticia é que estamos
mudando, e rápido. A escravidão foi abolida e hoje é considerada crime hediondo,
assim como o preconceito. Na nossa relação com os animais cada vez menos a
sociedade tolera maus tratos sob qualquer argumento e já existe um sentimento de
que precisamos promover o bem estar deles. Os povos originais não contatados
ainda são mantidos isolados, para viverem da forma que julgarem melhor. Em
relação à natureza, cresce cada vez mais o conceito de sustentabilidade.
Já existe uma forte pressão
mundial para que o principal indicador de progresso das nações, o PIB (Produto
Interno Bruto), não considere apenas indicadores econômicos, mas também sociais
e ambientais. Os relatórios de prestação de contas das empresas já incorporam a
sustentabilidade como parte do negócio em vez ver como um custo a mais ou um
obstáculo no caminho do lucro.
A má noticia é que entre as idéias
- a boa intenção, as leis, as políticas, o discurso - e as boas práticas, ainda
existe um enorme vazio a ser preenchido com trabalho duro de gestão,
capacitação, sensibilização, treinamento, pesquisa e desenvolvimento de novas
tecnologias, democratização da informação para a sustentabilidade para que as
pessoas possam fazer escolhas diferentes das que nos conduziram à beira de um
colapso e, principalmente, exercício de cidadania critica e consciente, por que
as mudanças não acontecem por acaso nem são resultados de salvadores da pátria
ou de déspotas esclarecidos.
As mudanças, numa sociedade, para
serem duradouras, devem resultar da organização dessa sociedade em torno de seus
direitos e no rumo do mundo melhor que deseja. E esta organização e consciência
socioambiental têm crescido a cada Fórum Social Mundial, a cada Cúpula dos
Povos, a cada nova ONG que é criada para lutar pelos direitos difusos, e,
infelizmente, a cada grande acidente ambiental - amplamente divulgado por uma
mídia cada vez mais sensível às questões socioambientais.
O anunciado colapso ambiental já
está nos atingindo. Segundo alerta de 1360 cientistas, de 95 países diferentes,
que durante 4 anos, de 2001 a 2005, estudaram a situação ambiental global, 60%
dos ecossistemas do Planeta já foram alterados. Para ficar só num exemplo -
entre tantos outros -, as águas do mar de Aral foram drenadas para a produção
agrícola até seu completo esgotamento. E detalhe. Neste caso, não foi pelo
Capitalismo ou pela ganância de uns poucos em enriquecer, mas foi num país de
regime Comunista, resultado de um planejamento governamental, de uma técnica e
uma política comprometida com uma visão de mundo onde apenas os ganhos
socioeconômicos foram levados em conta em detrimento dos ambientais. O que
também revela que a ciência, a política, a técnica não são neutras. E que não
interessa o 'ismo' ideológico que uma sociedade adote; se não respeitar a
capacidade de suporte da natureza vai chegar aonde os outros chegaram. Onde
antes havia um mar, com navios, peixes e pescadores, agora existe um deserto.
Ignorar os alertas não livrou
civilizações anteriores como a dos Faraós, dos Maias, dos povos da Ilha de
Páscoa de se extinguirem após o uso intensivo dos seus recursos naturais,
principalmente da água, além da capacidade de suporte da natureza.
Precisamos aprender com os
próprios erros e mais ainda com os erros alheios a fim de não repeti-los
indefinidamente.
Gostamos do conforto de nossas
cidades e não saberíamos mais viver sem elas. Mais um motivo para encontrarmos o
ponto de equilíbrio que nos permita associar desenvolvimento econômico, justiça
social com a capacidade de suporte da natureza. Civilização nenhuma antes da
nossa possuiu tantos recursos, conhecimento e informação, oportunidades quanto a
nossa. Hoje, sabemos muito bem aonde o mau uso da natureza pode nos levar e
sabemos que podemos mudar nossa história.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é
escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental
(www.rebia.org.br
), em janeiro de 1996 fundou o Jornal do Meio Ambiente e, em 2006, a Revista do
Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente (
www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio
Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas -
www.escritorvilmarberna.com.br
Enviado pelo autor, por e-mail para bere@apoema.com.br
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