Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
16/03/2012 (Nº 39) Entrevista com Silvia Czapski
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Educação Ambiental em Ação 39

Entrevista com Silvia Czapski para a 39ª Edição da Educação Ambiental em Ação -  www.revistaea.org

Por Bere Adams

 

Apresentação –  A entrevistada desta edição é a jornalista Silvia Czapski, que tem vasta experiência com as questões ambientais e com a Educação Ambiental propriamente dita, mas, deixo que ela mesma se apresente a vocês, queridos leitores:

 

Silvia – Apresentando-me

 

Sou jornalista, formada pela USP em São Paulo, com cursos de especialização na França e Inglaterra. Em meados dos anos 1980, ajudei a criar a Associação Ituana de Proteção Ambiental - AIPA, em Itu, e dei uma guinada em minha carreira, para o jornalismo ambiental. O tema não era moda (eramos os "ecochatos", sem espaço na chamada "grande imprensa"), mas propus o jornal Urtiga, da AIPA - como suplemento dos jornais ituanos.

 

Também pela AIPA saiu em 1988 o Pequeno Guia para o Ecologista Amador, que acompanhou a mostra "Renascente - Projeto de Recuperação Ambiental em Itu", realizada pelo SESC. Fiz o projeto e texto final da publicação, que ganhou 2 edições e muitas reimpressões, chegando a mais de 70 exemplares. Em 1998, a convite da professora Néli Gonçalves de Mello, que coordenava a área de EA do MEC, escrevi o livro "A Implantação da Educação Ambiental no Brasil", publicada por MEC/Unesco (http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001647.pdf).

 

Seguiram-se outros livros, sempre por encomenda e em paralelo à atividade jornalística. Aí, em 2011, estreei em editoras comerciais: "O Cavaleiro da Saude", biografia de meu pai, Dr. Juljan Czapski, criador dos planos de saude no Brasil e presidente da Aipa por mais de 20 anos, que faleceu em 2010 (Ed. Novo Século, com André Medici) e "Hortas na Educação Ambiental"  (com Maria Celia Bombana, pela Editora Peirópolis).

 

EAEA – Quando iniciou seu interesse pelas questões ambientais e como foi este processo?

 

Silvia – Olhando retrospectivamente, acho que meus melhores momentos da infância tinham relação com a defesa da natureza. Cresci ouvindo meu pai contar que, na fazenda onde nasceu na Polônia, eles plantavam duas árvores antes de cortar uma. E, quando eu tinha 5 cinco anos, meus pais compraram uma terra em Itu, que se tornou nosso destino dos fins de semana. Ficava junto a um raro trecho de Cerrado, ainda preservado no Estado de São Paulo.

Foi lá que me envolvi, décadas depois, com a questão ambiental. Conto isso - pelos olhos de meu pai - em "O Cavaleiro da Saúde": ele começou a cismar com a diminuição de animais nativos na região. Eu decidi ajudá-lo a encontrar o motivo. Usando minha prática jornalística, incitei especialistas visitarem o local, para dar um diagnóstico. E aí descobrimos algo que hoje muita gente acharia óbvio - quando a vegetação nativa é devastada, os animais começam a desaparecer. Na época, encantei-me com o tema, e a ideia da regeneração de uma área nativa. Me envolvi na criação da AIPA e abandonei minha carreira ascendente de assessora de imprensa na área empresarial, para abraçar a defesa do meio ambiente.

 

EAEA – Tem alguém ou algum autor que você tenha se identificado dentro do universo ambiental?

 

Silvia - Não tenho gurus nessa área. De forma geral, prefiro ler livros que me abrem horizontes, inclusive de pensadores com os quais não concordo, pois posso refletir sobre os argumentos, buscando porquês nas entrelinhas e tirando minhas próprias conclusões. Desde que escrevi "O Cavaleiro da Saúde", passei a devorar biografias, sobretudo de cientistas e ambientalistas. Se foram escritas é por que foram pessoas que fizeram a diferença, cujas trajetórias são lições de vida.

Mas já presenteei muitos amigos com oPapalagui, um pequeno livro de Erich Sheurmann, lançado em 1920 na Alemanha, ainda muito atual. Como antropólogo, ele transcreve os discursos do chefe de Tuiavii, na Polinésia, sobre como ele vê o homem branco (papalagui) da Europa. Mesmo que o mundo tenha mudado muito no século 20, enquanto lemos, vamos enxergando como é  esquisito e desnecessário o modo de vida consumista em que vivemos, descrito por Papalagui.

 

EAEA – Desde o início de sua jornada para cá, quais os avanços que você percebe em relação à sensibilidade da sociedade para as questões ambientais?

 

Silvia –. Paulo Nogueira-Netto, que foi secretário nacional de Meio Ambiente por 13 anos, comentou, durante uma entrevista que fiz a ele, que qualquer criança dá bronca nos pais, reclamando que determinada atitude "não é sustentável". É verdade. Para quem ouvia, nos anos 1980, que ambientalistas são ecochatos, não lotam uma kombi, só querem "atrapalhar o progresso", parece um enorme avanço. Mas, ainda há enorme distancia entre a teoria e a prática, a palavra e a ação. Usa-se a palavra, muitas vezes sem compreender seu sentido real. E, cada vez mais, o ambiente pede socorro.

 

EAEA – Quanto você considera importante influenciar a juventude sobre a questão do meio ambiente?

 

Silvia – Claro que sim, assim como acredito ser pelo menos tão importante que a juventude engajada nesse tema busque influenciar os mais velhos.

 

EAEA – Para você, a internet é uma ferramenta importante na divulgação da causa ambiental, nos dias de hoje?

 

Silvia – Trata-se de um grande veículo, que muita gente usa hoje como substituto a outros canais de informação, como jornais e revistas. Mas, como todo canal, trata-se de um espaço aberto (pelo menos até agora) em que qualquer um escreve o que quer. O papel da educação ambiental, portanto, além de sensibilizar a pessoa para o tema, é incitar a visão crítica, para que a pessoa saiba separar o joio do trigo e não engula falsos argumentos. Exemplo clássico - entre os recentes - é o dos grãos transgênicos, apresentados ao mundo por quem tem interesse econômico na produção como suposta solução para combater a fome, que ajudaria o meio ambiente pela também suposta redução no consumo agrotóxicos. Hoje, temos pesquisas mostrando que não é assim. Além do mais, o transgênico faz parte de uma fórmula da agricultura 100% mecanizada, baseada na monocultura, oposto da almejada diversidade da vida.

 

EAEA - Qual a importância da Educação Ambiental na infância?

 

Silvia – É tudo, sobretudo se pensarmos que a maior parte das pessoas vive hoje em cidades. Pela mera observação de seu cotidiano, uma criança aprenderá que água vem da torneira, alimentos, como leite, frutas, carnes, vêm das lojas, embalados e quase prontos para consumo. Se folhas caem de uma árvore na calçada, pode ouvir que são "sujeira", e não alimento de muitos bichinhos, e adubo para outras plantes que nascerão. Como se diz, é preciso conhecer, para amar e amar, para defender. A educação ambiental tem esse papel de sensibilizar, conscientizar e trazer o conhecimento de que tudo está conectado em nosso planeta Terra, por exemplo, a água que bebemos vem de rios que precisam ser preservados, com toda a vida de seu entorno, para nossa própria sobrevivência. Nesse sentido, não vejo Educação Ambiental como disciplina à parte, mas algo que deve estar embutido em cada ato de todos nós.

 

EAEA - O que você pensa sobre as ações empresariais de Educação Ambiental?

 

Silvia – Antes de mais nada, são uma obrigação. Mas mais uma vez enfatizo a importância do olhar crítico, para que o que às vezes chamam de "educação ambiental", seja rejeitado quando se trata de uma "enganação ambiental", cortina de fumaça para problemas que estão por trás dos atos, ou "marketing verde sem lastro", como se diz a respeito de certas ações empresariais. Pois temos de discernir entre ações sérias, e outras nem tanto.

 

EAEA - Qual o papel da mídia para auxiliar na Educação Ambiental?

 

Silvia – Todo jornalista é formador de opinião. Nesse sentido, queira ou não, é um educador informal. Portanto, também é educador ambiental. A impressão que tenho é que muitos não percebem essa força que têm.  Pois se soubessem, usariam melhor o instrumento da produção e difusão de notícias. Por outro lado, profissionais da comunicação refletem o que a sociedade lhes coloca. É papel dos educadores ambientais influenciarem profissionais da mídia, dando-lhes insumos, para que cumpram esse papel de amplificar a EA.

 

EAEA – Você lançou, recentemente, o livro “Hortas na Educação Ambiental”. Conte-nos como surgiu a ideia.

Silvia – Não se trata de um livro só meu, mas do resgate de um incrível trabalho de educação ambiental executado por mais de 15 anos pela equipe da AIPA, cujo carro-chefe foi o programa “Hortas Escolares Sem Agrotóxicos”, desenvolvido em mais de 40 escolas e centros infantis de Itu, depois também escolas privadas, além de cursos e ações mobilizadoras para públicos de todas as idades. Limitações financeiras obrigaram-nos a encerrar essas atividades em 2006. Por isso ficamos felicíssimos quando o pessoal da Peirópolis se encantou com a proposta trazer essa experiencia para um livro, que ficou lindo.

O resgate foi feito por mim, com Maria Célia Bombana - diretora de EA da AIPA - e consultoria de Marcelo Mattiuci, que era o coordenador de EA da associação. Temos ainda a apresentação de Juljan Czapski, e um prefácio de Carlos Alberto Ribeiro de Xavier.

Estamos super felizes com o entusiasmo dos leitores. De minha parte, encaro o livro como uma boa semente para espalharmos pelo Brasil afora o conhecimento que ganhamos com nossos erros e acertos. Tornou-se - como indica o texto da contracapa - um guia inspirador para implantar e manter hortas orgânicas em diferentes espaços coletivos (escola, comunidade, com a família), mostrando como explorar, de forma criativa, as infinitas possibilidades pedagógicas de cada fase de desenvolvimento das plantas.

EAEA: Como o livro está estruturado?

Na primeira parte, ensinamos o passo-a-passo de uma horta orgânica, indicando as atividades em que crianças podem participar, além de ensinar como plantar árvores e outras ações correlatas de educação ambiental. Tudo simples e gostoso de fazer.

Na segunda parte, há centenas de sugestões da atividades – testadas e aprovadas pela equipe de educação ambiental da AIPA e muitas vezes inventadas em Itu – para crianças de até 7 anos. A maioria seve para “crianças” de todas as idades. 

 

EAEA– Como é possível adquirir seu livro?

 

Silvia – Infelizmente, tanto o "Hortas na Educação Ambiental", quando "O Cavaleiro da Saúde" não estão disponíveis em todas as livrarias do país. Mas basta uma busca na internet, com titulo do livro e autoria, para encontrar em livrarias e encomendar. Hoje, até as editoras vendem diretamente a publicação - basta entrar nos links, que de quebra oferecem uma resenha.

* Hortas na Educação Ambiental - http://www.editorapeiropolis.com.br/livro/?id=264&tit=Hortas+na+educa%C3%A7%C3%A3o+ambiental%3A+na+escola%2C+na+comunidade%2C+em+casa

"O Cavaleiro da Saúde" - http://www.novoseculo.com.br/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=464&codigo_marca=0

 

EAEA – Qual é, para você, a maior contribuição que um trabalho com hortas pode oferecer às crianças?

 

Silvia – A horta orgânica, quando bem trabalhada com as crianças, é tudo para a EA. Crianças (e adultos) vêm a planta (ser vivo) nascer, crescer, frutificar, aprendem a transformar o fruto em alimento essencial para nós, seres humanos. Observam que o que sobra, quando volta à terra, ajuda a criar novas vidas. Ganham nova noção do tempo que leva para chegar ao amadurecimento e a colheita. Aprendem a se maravilhar com a diversidade da vida até nas mínimas coisas, como um simples torrão de terra, ou o entorno de uma plantinha no jardim. Notam que tudo está interligado e que a natureza devolve o carinho que lhe damos, fornecendo aquilo que precisamos para viver. São lições para nunca mais esquecer.

 

EAEA - O que você acha da Política Nacional de Educação Ambiental e das ações governamentais em relação ao meio ambiente?

 

Silvia –  O mais importante, no meu entender, é o fato de ter reafirmado a EA como fundamental, não como disciplina à parte, mas como componente em todos os processos de formação, formal ou informal. Diz-se que o Brasil tem leis que "pegam", e as que "não pegam". Ainda estamos na batalha, para que essa política seja de fato incorporada em nosso dia a dia.

 

EAEA - Quais são seus atuais desafios? Algum novo projeto?

 

Silvia – O sucesso do livro das hortas, leva-nos ao caminho de produzir mais. Mas ainda é cedo para dizer, pois estamos gestando uma nova publicação. Só posso adiantar que qualquer opinião de nossos leitores, será super bemvinda, para que possamos traçar esse novo caminho.

 

EAEA – Deixe uma palavra, uma frase ou pensamento para nossos leitores...

 

Gosto muito desse trecho de Sidarta, de Herman Hesse: "Baixando-se, Sidarta apanhou uma pedra. Enquanto a sopesava com a mão, disse displicentemente: - Isto é uma pedra, mas daqui a algum tempo talvez seja terra, e da terra se transformará numa planta, ou num animal, ou ainda num homem. Em outra época, quem sabe, eu teria dito: “Essa pedra é apenas uma pedra. Não tem nenhum valor. (...) Hoje, porém,raciocino assim... Não lhe tributo reverência ou amor, porque ela um dia talvez possa se tornar isso ou aquilo, senão porque é tudo isso, desde sempre e sempre. E precisamente por ser ela uma pedra, por apresentar-se-me como tal, hoje, neste momento, amo-a e percebo o valor, o significado." 

 

Mostra de um jeito lindo, que a evolução da vida na Terra é uma realidade. Vidas começam e acabam, espécies surgem e desaparecem. Mas, nosso atual modelo de produção e consumo, o que entendemos por progresso, está provocando mudanças numa rapidez nunca antes imaginada. Será que consumindo cada vez mais bens de consumo seremos mais felizes? Será que temos direito de criar novas formas de vida úteis só para o “bicho homem”, sem conhecer nossa maravilhosa diversidade de vida na Terra e sem medir consequências de longo prazo para a vida no Planeta? Espero que os dois livros que lancei em 2011 contribuam para esse olhar crítico, mas positivo, por um mundo melhor. 

 

EAEA – Considerações finais...

 

Silvia – Temos os blogs www.hortasnaeducacao.blogspot.com (Hortas na Educação Ambiental) e www.doutorjuljan.blogspot.com (O Cavaleiro da Saúde), e - sobre esse último - um filme homenagem de somente 7 min, lindo, que gostaria de recomentar, pois serve como uma espécie de trailer do livro: http://vimeo.com/13531524. E temos o e-mail hortasnaeducacao@gmail.com, que deixo à disposição, para receber dúvidas, críticas, comentários. 

 

 

EAEA – Silvia, agradecemos pelo compartilhamento de suas ideias e de sua experiência aqui nesta entrevista, que certamente será um incentivo para quem procura andar na direção da sustentabilidade ambiental. Li o livro Sidarta quando tinha 18 anos e trazer uma citação dele foi um verdadeiro presente que despertou meu desejo de lê-lo novamente. Foi um imenso prazer realizar esta entrevista e parabéns pelo seu trabalho e empenho pelo meio ambiente, muito obrigada!

 

Ilustrações: Silvana Santos