Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
10/09/2018 (Nº 38) PRODUÇÃO MAIS LIMPA UM ESTUDO TEÓRICO SOBRE SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO AMBIENTAL E ECONÔMICO E SUA APLICABILIDADE NA VISÃO DA ECOLOGIA PROFUNDA
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1140 
  
Revista Educação Ambiental em Ação 38

PRODUÇÃO MAIS LIMPA UM ESTUDO TEÓRICO SOBRE SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO AMBIENTAL E ECONÔMICO E SUA APLICABILIDADE NA VISÃO DA ECOLOGIA PROFUNDA

 

Paula Brügger

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

brugger@ccb.ufsc.br

 

Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Ecologia e Zoologia. Campus Universitário, s/n, Trindade

88040900 - Florianópolis, SC - Brasil - Caixa-Postal: 476

Telefone: (48) 3331-9884 Fax: (48) 3331-9672

 

Graduada em Ciências Biológicas pela UFSC, especialização em Hidroecologia, mestrado em Educação - "Educação e Ciência" e doutorado em Ciências Humanas - "Sociedade e Meio Ambiente" - UFSC. Atualmente é professor Associado II da Universidade Federal de Santa Catarina. Ministra as disciplinas "Biosfera, sustentabilidade e processos produtivos" e "Meio ambiente e desenvolvimento", na graduação, e "Gestão da sustentabilidade na sociedade do conhecimento no "Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento" - UFSC.

 

 

Ricardo Delfino Guimarães

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

delffino@hotmail.com

 

Praça São Jose, 39

Timon - MA

CEP 65630-160

Telefone: (99) 3212-2050

 

Graduado em Ciências Contábeis pelo CESVALE. Especialista em Direito e Gestão de Empresas pela UFSC. Mestre em Administração de Empresas pela UNIVALI. Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC.

 

Alex Fabiano Wehrle

UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

Alex.wehrle@unisul.br

 

UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina.

Avenida dos Lagos, 41 - Pedra Branca

88137-100 - Palhoca, SC - Brasil

Telefone: (48) 3279-1200

 

Graduado em Administração com Habilitação em Comércio Exterior pela UNIVALI. Mestre em Administração pela UNIVALI. Coordenador de Pólos Presenciais e Professor da UnisulVirtual. É Diretor de Exposição da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis.

 

Adriano Sérgio da Cunha

UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

adriano.cunha@unisul.br

 

Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL VIRTUAL.

Avenida dos Lagos, 41 - Pedra Branca

88137-100 - Palhoca, SC - Brasil

Telefone: (48) 3279-1200

 

Bacharel em Ciências Contábeis (UFSC). Bacharel em Administração (UNISUL). Especialista em Planejamento Tributário (FEPESE/UFSC). Especialista em Engenharia de Produção (FEPESE/UFSC). Coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Financeira EaD (UNISULVIRTUAL).

 

 

 

Resumo: Na relação, ao longo da história, entre as empresas e o meio ambiente ficou evidente que os impactos ambientais, resultantes na maioria das vezes das atividades de produção industrial, estão comprometendo a sustentabilidade do planeta. Esses fatores favoreceram reflexões nos paradigmas adotados pelas organizações em relação ao meio ambiente. No atual contexto socioeconômico globalizado a preocupação com questões relacionadas à preservação ambiental é um fator prioritário para o setor industrial. Entre as diversas estratégias aplicáveis às organizações que possuem a preocupação com um desenvolvimento sustentável “ecologicamente correto” destaca-se a denominada "Produção mais Limpa" (P+L). Que taticamente tem o intuito de reaproveitar, minimizar ou reciclar, resíduos que  integram o processo na produção industrial. Seu objetivo é de aumentar a eficiência no uso das matérias-primas: água e energia. O presente artigo aborda questões gerais relacionadas a esta metodologia, tais como: o que é a produção mais limpa, quais as características e objetivos da produção mais limpa, os conceitos da produção mais limpa, a importância da produção mais limpa no contexto socioeconômico atual, os benefícios da sua aplicabilidade, setores nacionais responsáveis pelo desenvolvimento da produção mais limpa. Neste trabalho procuramos, também, elencar a fundamentação teórica a respeito do pensamento sistêmico, associada à concepção de uma ecologia profunda, que coloca o homem como parte integrante do meio ambiente e, dessa forma, discutir as práticas das ações das organizações sobre a aplicabilidade dessa ferramenta tecnológica  no ponto de vista da ecologia profunda.

 

Palavras-chave: Produção mais limpa. Gestão. Desenvolvimento sustentável. Meio  ambiente.                   

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

As praticas da relação homem-natureza até metade do século passado era de uma visão reducionista - Marxista. O homem considerava o meio ambiente como uma mera fonte de recursos naturais inesgotável. O resultado desse pensamento, assimilado pela sociedade, gerou e agravou grandes conseqüências ao planeta, principalmente por práticas econômicas descompromissadas com os danos ambientais, que tiveram e estão tendo um impacto nocivo de vasta abrangência comprometendo a harmonia ecológica de todo o planeta.

Alguns dos fatores preocupantes que foram resultado deste sistema de produção:

·         Escassez e poluição das águas;

·         Agravamento da poluição atmosférica;

·         Radicais mudanças climáticas;

·         Geração e disposição inadequada de resíduos tóxicos;

·         Poluição do solo;

·         Comprometimento da biodiversidade;

·         Escassez de recursos naturais.

           

            A busca para um modelo ideal de sustentabilidade que não agrida ao meio ambiente e ao mesmo tempo não comprometa o desenvolvimento das organizações é uma finalidade que é aclamada por toda sociedade (LAYRARGUES, 2000, p. 56).

Layrargues (2000, p. 59), acrescenta ainda, que a recente conscientização destes fenômenos por parte de instituições em todo o mundo fez com que se repensasse todo o sistema de produção, e ficou evidente que as empresas necessitam mudar seu comportamento no que se refere às relações com o meio ambiente e promovendo desenvolvimentos sustentáveis, optando por uma produção mais limpa. Por decorrência de uma sociedade ávida por valores éticos e morais, a qual exige das empresas uma atuação responsável e desprezar seu juízo é um erro sem precedentes, para qualquer instituição nos tempos atuais  (FISCHER, 2004, p. 24-25). Como conseqüência desta conscientização ambiental as organizações modernas passaram a incluir em seus planos de gestão considerações relativas ao aspecto social e ambiental, que de forma geral envolve a redução dos níveis de poluição e a melhoria nas condições de trabalho.

Farah (2001, p. 13-22) concorda que as empresas estão buscando mudanças em sua postura, deixando de ser passivas e reativas para adotar um comportamento ambiental pró-ativo. Neste contexto histórico de mudanças percebe-se que ao mesmo tempo em que a crise ambiental se apresenta como uma ameaça à sobrevivência humana e da natureza em geral, ela também aparece como um fenômeno que contribui para a conscientização de toda a humanidade em relação às questões ecológicas, e como uma oportunidade de auto-superação, exigindo a quebra de antigos paradigmas e a construção de novos.

Com todo esse contexto, na busca pela otimização dos materiais utilizados por setores de produção, que tem em seu processo o contato com a natureza, se tornou um fator de fundamental importância. As implementações de ações efetivas voltadas para a redução do impacto ambiental representam a possibilidade de se atenuar o atual quadro de degradação ambiental presente em todo o planeta (HART, 1995, p. 986-1014).

Sendo assim, o desenvolvimento de metodologias “ecologicamente corretas” para implementação nos setores de produção vem sendo um quesito crucial neste processo de conscientização ambiental por parte das indústrias. Entre diversas metodologias desta área este artigo destaca a denominada Produção mais Limpa (P+L), que aparece como uma alternativa para a busca de soluções para os problemas ambientais.

Portanto, este artigo foi desenvolvido com o intuito básico de compreender melhor o que vêm a ser a P+L (Produção mais Limpa) e sua concepção vista pela ecologia profunda. Foram traçados os seguintes objetivos: Compreendê-la; analisar quais as características e objetivos; pesquisar quais seus conceitos básicos; entender sua importância no contexto socioeconômico atual; apontar os benefícios de sua aplicabilidade; verificar os setores nacionais responsáveis pelo seu desenvolvimento e por fim, discutir a aplicabilidade do  modelo da estratégia mercadológica no ponto vista da ecologia profunda.

Nesse artigo será apresentada uma visão sistêmica do processo tecnológico (P+L) proporcionado pelas indústrias no sentido de minimizar os efeitos dos impactos ambientais no meio ambiente. Contudo serão feitos criticas a esse processo através da visão da ecologia profunda. Apesar dos esforços das organizações para se adequar aos novos modelos sócio-ambientais e econômicos. Essa adequação na maioria das vezes ocorre de forma coercitiva pelo poder público, que através de taxas, multas ou incentivos fiscais forçam as corporações a exercer essas políticas ambientais. Outra forma de adequação dessas organizações seria através do público consumidor (sociedade), que por perceber a origem duvidosa dos produtos passam a boicotá-los. Entretanto, essa ferramenta ainda é usada como modelo na crença de que “para a maximização de qualquer benefício e nosso bem-estar e riqueza, é preciso maximizar o desenvolvimento econômico”, numa abordagem mecanicista, eco-marxista e unidirecional, em que a natureza é vista em segundo plano e a sua existência é somente para a satisfação do homem. Porém tais questionamentos serão discutidos no decorrer desse artigo.

 

2 METODOLOGIA

 

            Este artigo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, segundo observa-se em Richardson (2008, p. 66). Exploratória, pois se buscou informação sobre determinado tema e se deseja conhecer o fenômeno.

A metodologia utilizada foi à revisão da literatura de artigos, livros, dissertações, teses, jornais que abordam os temas relacionados à Produção Mais Limpa. Este método tem sua importância no sentido de facilitar a identificação de conceitos pesquisados e apresentados por autoridades e cientistas que atuam na área. Além disto, permite uma maior abrangência na coleta de dados sobre o assunto, assim como viabiliza o acesso de pesquisas antigas, assim como as mais recentes, oferecendo uma perspectiva linear a respeito do desenvolvimento do tema abordado.

No que diz respeito aos objetivos, esta pesquisa consiste em um estudo do tipo descritivo. Para Richardson (2008, p. 71), "os estudos de natureza descritiva propõem-se investigar o "que é", ou seja, a descobrir as características de um fenômeno como tal".

            Quanto aos procedimentos, é uma pesquisa bibliográfica. Cervo et al. (2007, p. 60) definem a pesquisa bibliográfica como a que "procura explicar um problema a partir de referencias teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. Seu objetivo é conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre determinado assunto, tema ou problema".

Também foi encaminhada uma mensagem através de recurso de correio eletrônico para entrar em contato com o Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL), em busca de informações que pudessem contribuir com a pesquisa. Não foi efetuado nenhum questionário formal, foram elaboradas questões esporádicas, conforme fosse sendo desenvolvida a pesquisa da literatura. Esta forma de entrevista tem um fator positivo no sentido de que não se fica limitada a um questionário formal com questões restritas pré-formuladas.

 

3 A evolução do conceito de produção limpa

 

Analisando-se o surgimento da Produção Limpa (PL), um programa desenvolvido antes da P+L, com princípios e definições verifica-se que a sua base conceitual fundamenta-se na proposta da organização ambientalizada também no Greenpeace, que visa um sistema produtivo saudável, que se preocupa com a limpeza, a preservação e o bem-estar do meio ambiente.

Lerípio (2001, p. 43) afirma que os princípios da PL surgiram nos anos 80, sendo que esta era uma campanha para mudança mais contundente da política de comportamento industrial.

Uma das características desta época consiste justamente no despontamento global, por parte de instituições governamentais e organizações não governamentais (ONGs), da preocupação relacionada ao aspecto de interação entre as indústrias e o meio ambiente.

O Greenpeace definiu algumas características que a organização "limpa" deveria implementar; as características citadas buscam definir um sistema de produção industrial que incorporasse a variável ambiental em todas as fases produtivas, tendo como foco principal à prevenção na geração de resíduos. Estas características são descritas pela Fundação Vanzolini (1998, p. 1), e são as seguintes:

 

·         A auto-sustentabilidade de fontes renováveis de matéria-prima;

·         A redução no consumo de água e energia;

·         A prevenção da geração de resíduos tóxicos e perigosos na fonte de produção;

·         A reutilização e reaproveitamento de materiais por reciclagem de maneira atóxica e energia eficiente;

·         A geração de produtos de vida útil longa, seguros e atóxicos, para o homem e meio ambiente, cujos restos (incluindo embalagens) tenham reaproveitamento atóxico;

·         A reciclagem (na planta industrial ou fora dela) de maneira atóxica como alternativa para as opções de manejo ambiental representadas por incineração e despejo em aterros.

 

As definições de processo e produto sob a perspectiva de um sistema produtivo que desenvolve a PL são caracterizadas pelo Greenpeace (1997) da seguinte forma:

 

  • Processo – atóxico, energia eficiente; utilizador de materiais renováveis, extraídos de modo a manter a viabilidade do ecossistema e da comunidade fornecedora ou, se não renováveis, passíveis de reprocessamento atóxico e energia eficiente; não poluidor durante todo o ciclo de vida do produto; preservador da diversidade da natureza e da cultura social; promotor do desenvolvimento sustentável;
  • Produto – durável e reutilizável; fácil de desmontar e remontar; mínimo de embalagem; utilização de materiais reciclados e recicláveis;

 

Pode-se perceber que a implementação da metodologia de PL desenvolve-se a partir dos seus conceitos básicos de aplicação. Isso demonstra que esta metodologia tem o real intuito de reconfiguração da estrutura do processo de desenvolvimento das indústrias, e não apenas atua nos efeitos nocivos, tal como as metodologias convencionais.

De acordo com Furtado (2000, p. 97-102) a PL se baseia em quatro princípios básicos que norteiam os rumos para o desenvolvimento de uma produção que possa ser considerada "limpa", estes princípios são os seguintes:

 

a)    Princípio da precaução: tem como objetivo evitar doenças irreversíveis para os trabalhadores e danos irreparáveis para o planeta.

b)   Princípio da prevenção: consiste em substituir o controle de poluição pela prevenção da geração de resíduos na fonte, evitando a geração de emissões perigosas para o ambiente e o homem, ao invés de remediar os efeitos de tais emissões.

c)    Princípio do controle democrático: pressupõem o acesso a informações sobre questões que dizem respeito à segurança e uso de processos e produtos, para todas as partes interessadas, inclusive as emissões e registros de poluentes, planos de redução de uso de produtos tóxicos e dados sobre componentes perigosos de produtos.

d)   Princípio da integração: visão holística do sistema de produção de bens e serviços, com o uso de ferramentas como a Avaliação do Ciclo-de-Vida do produto (ACV).

 

Porém, utilizando-se da base conceitual do Greenpeace e da PL, desenvolveu-se uma proposta mais acessível sob a perspectiva de sua aplicabilidade junto às organizações produtivas.

Em  1989, com a preocupação de um desenvolvimento sustentável  e com a finalidade da busca na prevenção com a poluição ambiental. Essa ferramenta, a Produção mais Limpa (P+L), teve seu inicio com o programa Cleaner Production criado pela United Nations Industrial Development Organization (UNIDO), em parceria com o United Nations Environment Programme (UNEP). Nesse programa, a UNIDO atua como uma agência executiva, administrando os recursos financeiros e o UNEP proporciona o desenvolvimento de estratégias, como também à parte da divulgação de material sobre P+L.

Para Furtado (2000 p. 116-118), a P+L adota as seguintes definições para processo e produto:

 

  • Processo – conservação de materiais, água e energia; eliminação de materiais tóxicos e perigosos; redução da quantidade e toxidade de todas as emissões e resíduos, na fonte, durante a manufatura;
  • Produto – redução do impacto ambiental e para saúde humana, durante todo o ciclo, da extração da matéria-prima, manufatura, consumo/uso e na disposição/descarte final.

 

Conforme a UNIDO/UNEP (1995), P+L significa a aplicação contínua de uma estratégia ambiental preventiva e integrada aos processos, produtos e serviços, a fim de aumentar a eficiência no uso de matérias primas, água e energia e reduzir os riscos para os homens e o meio ambiente.

Referindo-se à diferença entre PL e P+L, Lerípio (2001, p. 24), descreve que:

“é necessário reconhecer a dificuldade de conceber o sistema de produção absolutamente isento de riscos e resíduos. Talvez esta tenha sido a maior justificativa da proposta Mais Limpa.”

 

A afirmação de Lerípio parece sintetizar bem a proposta da P+L, no sentido de que esta metodologia foi desenvolvida com o intuito de desenvolver mudanças na estrutura das organizações com o objetivo básico de que estas sejam o mais eficiente possível em termos de produção sustentável ecologicamente correta.

Segundo Valle (1995, p. 48), a estratégia da P+L visa prevenir a geração de resíduos, em primeiro lugar, e ainda minimizar o uso de matérias primas. Em outras palavras, pode-se concluir, que ela busca antecipar-se aos problemas ambientais gerados no processo produtivo, como a geração de resíduos, efluentes e emissões atmosféricas. Tem como objetivo maximizar a eficiência produtiva através da otimização do uso de materiais, como conseqüência, tem-se a redução de cargas poluidoras. Enfim, reconhece que a produção implica em degradação ambiental. Contudo, considera que a prevenção de resíduos é a maneira mais apropriada para reduzir o impacto ambiental.

 

4 O CENTRO NACIONAL DE TECNOLOGIAS LIMPAS E OS NÚCLEOS DE PRODUÇÃO MAIS LIMPA NO BRASIL

 

Como foi abordado nesse artigo, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), percebendo a necessidade da busca de soluções adequadas para o problema da poluição ambiental, criaram um programa voltado para as atividades relacionadas à prevenção de poluição. De forma geral o programa tem a proposta de instalar vários Centros em países em desenvolvimento, que formarão uma rede de informação em P+L. No caso do Brasil foi criado o Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL).

O CNTL faz parte de uma rede de centros que trabalham para a divulgação do paradigma da prevenção de geração de resíduos. O Brasil iniciou em julho de 1995 e foi o primeiro a ser instalado na América do Sul. O CNTL, no Brasil, foi hospedado pelo sistema da Confederação Nacional das indústrias (CNI), no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) do Rio Grande do Sul.

No momento, estão sendo implantados Núcleos Regionais de P+L junto às Federações das Indústrias dos Estados Brasileiros. Esta iniciativa está sendo coordenada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e foi formalizada através da assinatura de Protocolo de Intenção de Cooperação Mútua entre CNI, CEBDS, BNDES, SENAI, SEBRAE, e FINEP.

Com o slogan “Produzir mais e melhor com menos”, a Rede Brasileira possui como missão “contribuir para tornar as empresas brasileiras mais eficientes e competitivas, buscando continuamente a minimização de seu impacto ambiental” e, entre seus objetivos, podemos citar:

 

  • Disseminar a prevenção como instrumento de minimização de impactos ambientais;
  • Estimular o setor produtivo a adotar práticas e tecnologias baseadas na Produção Mais Limpa;
  • Incentivar o desenvolvimento e a divulgação de tecnologias “limpas”;
  • Apoiar a implantação de Núcleos de Produção Mais Limpa nas diversas regiões do país; e,
  • Consolidar um sistema de dados e informações sobre experiências de Produção Mais Limpa no Brasil.

 

Depois de criado, cada Núcleo oferece um curso para formação de consultores em Produção Mais Limpa em seu Estado. Esses cursos possuem uma etapa prática, na qual os consultores em formação implantam medidas de Produção Mais Limpa em empresas.

Com os consultores formados, os Núcleos passam a realizar um trabalho para convencer os empresários a implantar o Programa de Produção Mais Limpa em suas empresas.

Para a realização deste programa, os Núcleos usam meios como: realização de visitas e seminários em empresas e em Associações Comerciais e Industriais, matérias em jornais e revistas e distribuição de folders. Os empresários que decidem implantar o Programa assinam um contrato com o Núcleo e pagam pela consultoria que lhes será prestada (DOZOL, 2002, p. 93). 

 

5 Benefícios da implementação da Produção Mais Limpa

 

Considerando que a P+L é focada na minimização de resíduos na fonte, Lora (2000, p. 16) descreve os seguintes benefícios:

 

a)    o controle de resíduos na fonte leva à diminuição radical da quantidade. Conseqüentemente, se reduz custos de produção devido à utilização mais eficiente das matérias-primas e da energia, bem como custos de tratamento;

b)   a prevenção de resíduos, diferentemente do tratamento de resíduos, implica em benefício econômico, tornando-a mais atrativa para as empresas;

c)    melhoria da imagem ambiental;

d)    maior facilidade em cumprir as novas leis e regulamentos ambientais, o que implica em um novo segmento de mercado.

 

Para o CNTL (2000), a implementação da P+L possibilita garantir processos mais eficientes. Descreve que a minimização de resíduos não é somente uma meta ambiental, mas principalmente, um programa orientado para aumentar o grau de utilização dos materiais, com vantagens técnicas e econômicas. Considera que a minimização de resíduos e emissões geralmente induz a um processo de inovação dentro da empresa.

Conforme Valle (1995, p. 113), a minimização de resíduos, na fonte, possibilita os seguintes benefícios:

 

  • reduzir os custos de tratamento e disposição dos resíduos;
  • economizar em transporte e armazenamento;
  • reduzir prêmios de seguros;
  • diminuir gastos com segurança e proteção à saúde.

 

            Para Filho e Sicsú (2007, p. 08) a aplicação de estratégias como Produção mais Limpa nas empresas acarreta uma série de benefícios junto à sociedade como um todo. As organizações passam a transmitir uma imagem de empresa responsável e séria, comprometida com o ambiente, a qual está inserida e como também com seus stakeholders.

             De forma geral, é possível perceber que a P+L desenvolve uma combinação de benefícios econômicos e ambientais direcionados somente para o favorecimento da organização a qual está exercendo tais procedimentos. Promovendo ações  somente sob o foco unidirecional e por partes isoladas, não salientando as partes de forma holística.

            Sua visão é unicamente beneficiar o ator no qual exerce o programa da Produção mais Limpa (P+L), correndo o perigo de desenvolver uma  sustentabilidade camuflada ou uma maquiagem verde. Idéia defendida pela ecologia profunda,  que será apresentada a seguir.

 

        O que é ecologia profunda?

 

            A expressão ecologia profunda (deep ecology) surgiu durante a década de 70, no século passado, instituída pelo filósofo e pensador norueguês Arne Naess, esse conceito foi criado em contraposição ao pensamento convencional ecomarxista e cartesiano que focava o homem como ser superior, e que a natureza existia para satisfazer suas necessidades. Com a instituição desse conceito houve uma quebra de paradigmas na maneira em que se vê a natureza, já que o antropocentrismo era substituído pelo ecocentrismo numa visão holística das coisas em que todos fazem parte da natureza e que todas as espécies têm igual importância. O quadro 1 demonstra, as propostas de Arne Naess e as suas diferenças frente à visão de mundo predominante.

 

Figueiredo, Almeida e César, (2004 p. 10) acrescentam que a ecologia profunda defende o desenvolvimento de uma consciência ecológica que através do autoquestionamento e do diálogo, leve a humanidade a abandonar o paradigma antropocêntrico e a ver-se a si próprio como uma parte interativa e fundamental de um todo mais abrangente que é o mundo natural.

            Corroborando com o pensamento anterior, Capra (1982, p. 402) nos fala que o sentido da expressão ecologia profunda pode ser designado pelo fato do homem com esse novo paradigma e modo de pensar sobre a natureza, mude o comportamento da humanidade e que as ações produzidas junto à natureza sejam pensadas de maneira global e essas atitudes comecem de forma local.

            No entender de Donald Worster (1985, p. 34) a ecologia profunda é lançada contra o seguinte alvo de uma visão egocêntrica em uma classe media ambiciosa que esta voltada para a tecnologia, produção sem limites e no consumo ilimitado pautado no individualismo e no domínio da natureza. Portanto, todos esses conceitos e pensamentos vão de encontro ao quadro ilustrado por Arne Naess.

 

6 Considerações Finais

 

Este artigo teve a preocupação básica de apresentar e analisar alguns fatores referentes à importância da metodologia de P+L, e à sua eficiência no incremento de políticas de desenvolvimentos sustentáveis em instituições industriais que tenha por finalidade maneiras corretas de sustentabilidade.

Fica evidente na literatura da pesquisa, que no geral a metodologia aplicada  tem um enfoque muito restrito, limitando-se a considerar apenas os efeitos das corporações, e não consideram as causas e a questão  de forma holística.

Também ficou evidente que o programa não direciona para uma política de modificações dos padrões de consumo e somente a substituição para um consumo diferente. Em que o problema ambiental é tratado pelo eco (ego) – capitalismo, dando continuidade à racionalidade econômica e à ideologia dominante da sociedade industrial de consumo (BRÜGGER, 2003, p. 4-5).

Outro fato importante a ser destacado, em decorrência do pensamento anterior, é que como não se tratando de uma estratégia ligada à ecologia profunda, não integrando o social, ambiental e econômico, essa estratégia não educa e não estabelece artifícios profundos de conscientização ecológica.

O que poderá acontecer (ou está acontecendo) com essa metodologia tecnológica, é que novas fábricas surgirão com a mesma estratégia. Em que com a permissão da sociedade e com um discurso “politicamente correto” sobre sustentabilidade e usando de uma maquiagem verde, essas indústrias terão mais e mais filiais usando a mesma estratégia e com isso agravando ainda mais o problema da sustentabilidade do planeta.

De fato as tecnologias ambientais são importantes e necessárias, porém não suficientes para dar conta da degradação da vida no nosso planeta. Mais significante, entretanto, é definir o que sejam tecnologias ambientais. Serão apenas tecnologias não-poluentes? Serão elas também saudáveis socialmente? (BRÜGGER, 2004, p. 111).

Por fim, temos que conceber as tecnologias não como produto das relações de dominação na sociedade. Em que essas metodologias, nesse artigo estudada a Produção mais Limpa, são influenciadas tanto na sua construção como na sua utilização pelo pensamento unidimensional, ou seja, pela racionalidade instrumental, baseada na maximização dos lucros (MARCUSE, 1984, p.169).

 

Referências

 

ARAUJO, A. F. de. A aplicação da metodologia de produção mais limpa: estudo em uma empresa do setor de construção civil. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2002.

 

BRÜGGER P. Educação ou adestramento ambiental. 3. ed. ampliada. Chapecó: Argos; Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.

 

BRÜGGER, P.; ABREU, E.; CLIMACO, J. V. Maquiagem verde: a estratégia das transnacionais versus a sustentabilidade real. In: GUIMARÃES, L. B.; BRÜGGER, P.; SOUZA, S. C. ARRUDA, V. L. Tecendo subjetividades em educação e meio ambiente. Florianópolis: NUP/CED/UFSC, 2003.

 

CAPRA, F. O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982.

 

CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A.; DA SILVA, R. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

 

CNTL. Produção mais limpa. Disponível em: < http://www.fiesp.com.br/ambiente/

perguntas/producao-limpa.aspx> Acesso em: 10 jan 2011.

 

CNTL. Manual 5 - Implantação de programas de produção mais limpa. Porto Alegre, 2000.

 

DOZOL, Isolete de S. Produção mais limpa: Uma Estratégia Ambiental para a Sustentabilidade da Indústria. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2002.

 

FARAH. J. Desenvolvimento local e comportamento econômicos: estratégias empresariais proativas ou reativas? In: Revista FAE, Curitiba, v.4, n.2 maio/ago 2001.

 

FIGUEIREDO, O.; ALMEIDA, P.; CESAR, M. O papel das metaciências na promoção da educação para o desenvolvimento sustentável. Revista eletrônica de Ensenanza de las Ciências, vol 3, n. 3, 2004.

 

FILHO J. C. G.; SICSÚ A. B. Aplicação da Produção mais Limpa em uma empresa como ferramenta de melhoria contínua. Prod. v.17 n.1 São Paulo jan./abr. 2007.

 

FISCHER, R. M. Não basta só pagar impostos. Guia exame 2004. Boa cidadania corporativa, São Paulo, p. 24-25, dez 2004.

 

FUNDAÇÃO VANZOLINI. Prevenção de resíduos na fonte e economia de água e energia. São Paulo, 1998.

 

FURTADO, J. S. Atitude ambiental sustentável na Construção Civil: ecobuilding & produção limpa. São Paulo: Programa de Produção Limpa, Fundação Vanzolini, Departamento de Engenharia de Produção e Escola Politécnica, USP, 2000.

 

GREENPEACE. Greenpeace report. O que é produção limpa. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 jan 2011.

 

HART, Stuart L., A natural-resource-based view of the firm. Academy of Management Review, v. 20 n. 4 p. 986-1014, 1995.

 

KRAUSE, G. Meio Ambiente, um bom negócio. Gazeta Mercantil. Gestão ambiental: compromisso da empresa. São Paulo, n. 2, abr. 1996. Suplemento.

 

LAYRARGUES, P. A empresa "verde" no Brasil: mudança ou apropriação ideológica? Ciência Hoje, Rio de Janeiro, 27 (158): 56-59, 2000.

 

LEIS, H. R. A modernidade insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade contemporânea. Petrópolis/Florianópolis, Vozes/Editora da UFSC, 1999.

 

LERÍPIO, A. Gaia: um método de gerenciamento de aspectos e impactos ambientais. 2001. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.

 

LORA, E. Prevenção e controle da poluição no setor energético industrial de transporte. Brasília: ANEEL, 2000.

 

MARCUSE, Herbert. Der eindimensionale mensch. Studien zur Ideologie der fortgeschrittenen Industriegesellschaft. Darmstadt: Luchterland, 1984.

 

NAESS A. The shallow and the deep, long-range ecology movements: a summary. Inquiry 16:1, 95-100. Disponível em: < http://www.ecology.ethz.ch/educa

tion/readings_stuff/Naess_1973.pdf> Acesso em: 20 jan 2011.

 

NASCIMENTO, C. A. M. Em busca da ecoeficiência. In: READ - Revista Eletrônica de Administração. Ed.15 v. 6 n. 3, mai-jun 2000.

 

OLIVEIRA F. F. A. Aplicação do conceito de produção limpa: estudo em uma empresa metalúrgica do setor de transformação do alumínio. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção).Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.

 

RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

UNEP/UNIDO. Cleaner production assesment manual. Part one – introduction to cleaner production. Draft, 1995.

 

VALLE. C. E. Qualidade ambiental: como ser competitivo protegendo o meio ambiente. São Paulo: Pioneira, 1995.

 

WORSTER, D. Nature’s economy. A History of Ecological Ideas. Cambridge. Cambridge University Press, Aug. 1984.

Ilustrações: Silvana Santos