Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 38) EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS
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Revista Educação Ambiental em Ação 38

EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS

 

TINOCO, Isis Alexandra Pincella*

*Bacharel em Direito pela UNIFOR – Universidade de Fortaleza, especialista em Direito Ambiental pela UNIFOR – Universidade de Fortaleza, pós-graduanda em Educação Ambiental pela UECE – Universidade Estadual do Ceará. Endereço: Rua Mário de Andrade, 1517, Fortaleza/CE. CEP: 60442-130. Tel. (85) 8800.5474. E-mail: isis.pincella@gmail.com

 

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a importância do uso da educação ambiental como ferramenta para conscientização sobre guarda responsável de animais de estimação. Visa verificar a legislação brasileira no que se refere à educação ambiental e a tutela jurídica de animais domésticos, e por fim, expor as atuações das associações e grupos de proteção animal sediadas no município de Fortaleza do Centro de Controle de Zoonoses – CCZ, no âmbito da educação ambiental. Fora realizada pesquisa bibliográfica através de livros e sites, pesquisa documental utilizando-se o relatório de atividades do ano de 2008 no controle da raiva do Centro de Controle de Zoonoses – CCZ de Fortaleza, os autos da Ação Civil Pública 2008.0025.9539-3 e informações de associações e grupos de proteção animal atuantes no referido município. Restou evidenciado que a educação ambiental é um importante caminho para efetivação do princípio da participação, estando presente na Carta Magna bem como em leis infra-constitucionais brasileiras, e que os animais domésticos são tutelados pela legislação pátria, sendo no entanto, necessário que o Estado  a sociedade civil organizada atuem preventivamente, a fim de evitar propagação de zoonoses, superpopulação e ainda maus-tratos aos animais, por meio da educação ambiental para conscientização sobre a guarda responsável.

Palavras chaves: educação ambiental, guarda responsável, animais.

 

INTRODUÇÃO

A relação do ser humano com animais é extremamente antiga e tanto no passado como nos dias hodiernos, é repleta de antagonismos sendo cultivados sentimentos que vão desde o amor e compaixão, ao medo, indiferença e raiva por estes outros seres. A partir do sedentarismo, surgem os primeiros aglomerados humanos, as primeiras cidades e com isso, o começo da domesticação de animais. Os cães foram utilizados para auxiliar no cuidado do rebanho, proteger contra eventuais ladrões e ainda outros predadores. A domesticação do gato, por sua vez, ocorreu aproximadamente em 2.000 a.C., no Egito Antigo, em razão de sua capacidade de proteger os depósitos de grãos dos roedores e ainda, por suas qualidades místicas, havendo inclusive uma deidade representada na forma de uma gata, conforme se observa pelo templo de Bastet, a deusa felina da fertilidade (Zasloff, 1996, apud SAITO, 2002, on line).

  Com o passar do tempo o homem passou a afeiçoar-se a determinadas espécies de animais, que além de domesticados, passaram a ser considerados animais “de estimação”. No Brasil de acordo com pesquisa realizada pelo IBOPE – Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística em 2000, 59% da população brasileira criavam algum tipo de animal de companhia, destes, 44% (cerca de 41 milhões) criavam cães e 16%  criavam gatos (MORI, 2000, on line). Então a partir do momento que estes animais foram retirados de seu habitat natural, eles se adaptaram ao “mundo dos homens”, tornando-se extremamente dependente destes, quebrando-se um ciclo natural que viria a desencadear numa superpopulação de animais nos grandes centros urbanos, trazendo inúmeras problemáticas para os humanos e, em geral, muito sofrimento para os animais.

O Estado, visando a manutenção da saúde pública (humana logicamente), criou uma serie de políticas que têm como intuito evitar a veiculação de zoonoses (doenças transmissíveis de outros animais ao homem), partindo do pressuposto que animais errantes são transmissores de doenças em potencial, tendo em geral como órgão executor, o Centro de Controle de Zoonoses - CCZ. A sociedade civil, organizada em associações de proteção animal e entidades não oficiais, tentam realizar a mesma tarefa, sob uma perspectiva diferente das organizações governamentais, e freqüentemente, estas levam a público, denúncias de maus-tratos a animais, sobrevindos de tais órgãos.

Visando a criação de leis que amparassem o animais, as “ONGs” passaram a tomar para si a responsabilidade por esses animais, tentando ao menos, resguardar seu direito mínimo a vida. Felizmente hoje leis de tutela dos animais, inclusive domésticos já existem no Brasil como será melhor demonstrado ao longo deste trabalho. A sociedade civil pressiona o poder público e ainda, levando-se em consideração as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que considera a mera prática de eliminação dos animais errantes ineficaz para controle de superpopulação e da proliferação das zoonoses, recomendando a adoção de controle de natalidade, os CCZs tiveram de  agir preventivamente. Hoje se clama pela preocupação com a saúde pública, aliada à ética e ao respeito para com os animais, devendo os CCZs limitarem-se a eutanásia de animais gravemente enfermos, praticando a educação ambiental para guarda responsável, promovendo adoções e esterilizações dos animais que ali chegarem.

No presente trabalho primeiramente discorrer-se-á acerca do princípio da participação, como sendo um dos basilares do direito ambiental, enfatizando a questão da educação ambiental. Posteriormente será brevemente citada a legislação brasileira referente à tutela jurídica de animais domésticos, e por fim, será demonstrada a importância da educação ambiental para guarda responsável de animais domésticos, a fim de se prevenir os maus-tratos a estes, visando ainda a saúde pública mediante controle da população de animais, a partir de ações preventivas baseadas na ética e no respeito pelos animais. 

 

1. O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O direito ambiental é um ramo relativamente novo do Direito brasileiro e que há pouco tempo utilizava-se apenas das normas de direito administrativo, sendo aquele um apêndice deste. Defende-se que com o advento da lei de Política Nacional do Meio Ambiente (lei nº 6.938/81), foi que este ramo ganhou sua autonomia, hoje já aceita pela grande maioria dos doutrinadores. Outros motivos para considerá-lo autônomo, é o fato de este possuir seu próprio regime jurídico, objetivos, e especialmente princípios. 

A doutrina aponta diversos princípios do direito ambiental, estando em sua maioria, esculpidos na própria Constituição Federal brasileira, em seu artigo 225. Mas o presente trabalho deter-se-á apenas ao  princípio da participação, visando abordar de forma mais aprofundada, a importância da educação ambiental.   Apesar de não constar no artigo 225 da Carta Magna o termo “participação”, neste está expressamente escrito que é dever de toda a coletividade e do poder público atuar na defesa e proteção do meio ambiente.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações. (grifo nosso)

Isto implica em dizer que o referido princípio é um dever imposto à coletividade e ao poder público, e não um aconselhamento, tendo em vista que a omissão destes poderá gerar danos ao meio ambiente e, conseqüentemente, à própria coletividade. Muito embora o poder público seja o responsável direto pela administração do meio ambiente, tal fato não exime a população de conservá-lo e preservá-lo. Ressalte-se que é por meio da educação ambiental, que é efetivado o princípio da participação, uma vez que na coletividade precisa ser inserida uma consciência ecológica, para que passe a usufruir corretamente de seu direito ao meio ambiente, bem como comece a se conscientizar da sua obrigação de preservá-lo.

O conceito legal de educação ambiental consta na lei nº 9.795/99 em seu artigo 1º, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental:

Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (grifo nosso)

Na referida lei, em seu artigo 4º, constam também os princípios que devem reger a  educação ambiental, e no artigo seguinte, constam os objetivos fundamentais da educação ambiental. A educação ambiental é uma preocupação antiga, e já constava na Declaração de Estocolmo de 1972 da seguinte forma:

19 - É indispensável um trabalho de educação em questões ambientais, visando tanto às gerações jovens como os adultos, dispensando a devida atenção ao setor das populações menos privilegiadas, para assentar as bases de uma opinião pública, bem informada e de uma conduta responsável dos indivíduos, das empresas e das comunidades, inspirada no sentido de sua responsabilidade, relativamente à proteção e melhoramento do meio ambiente, em toda a sua dimensão humana. (grifo nosso)

            A educação ambiental fora colocada ainda como um dos princípios legais regentes da Política Nacional do Meio Ambiente com o advento da lei nº 6.938/81:

Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

............................................................................................................................

   X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. (grifo nosso)

Acerca deste inciso, Paulo de Bessa Antunes (2005, p. 96) considera-o como sendo referente ao Princípio Democrático “Lamentavelmente, o preceito legal tem sido pouco observado, pois a educação ambiental e a capacitação dos cidadãos para a defesa ativa do meio ambiente restam como objetivos a serem alcançados”. E enfim posteriormente a educação ambiental foi consagrada constitucionalmente, com o artigo 225, § 1º, inciso VI da Carta Magna:

Art. 225. [...]

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

............................................................................................................................

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; (grifo nosso)

Muito embora, no já citado artigo 225 da Constituição Federal perceba-se que a incumbência de promover a educação ambiental está na esfera de responsabilidades do poder público, pouco se tem notado esforços dele em relação à esta questão. De acordo com o “Ambientebrasil” (portal ambiental situado na internet), a maior contribuição tem vindo através dos movimentos da própria sociedade civil, das entidades não-governamentais, dos veículos de comunicação, dos movimentos políticos e culturais e não do Poder Público. (Ambientebrasil, 2007, on line).

 

2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE A tutela jurídica dos animais domésticos

O primeiro documento jurídico de proteção aos animais que se tem notícia no Brasil data de 06 de outubro de 1886, que foi Código de Posturas do município de São Paulo, época em que coincidentemente ou não, estava sendo aos poucos abolida a escravidão no Brasil (LEVAI, 2005, p. 28). Apenas no século XX a tutela jurídica dos animais passou a ter status constitucional com advento da CF de 1988, e de acordo com Laerte Fernando Levai (2005, p. 32), a legislação ambiental brasileira é considerada como uma das mais avançadas do mundo, estando o fundamento jurídico para proteção da fauna esculpido na própria Constituição. Em seu artigo 225, § 1º, inciso VII restou proibida qualquer prática cruel contra animais.

Assim atualmente, a proteção da fauna é garantida por diversos instrumentos legislativos, destacando-se atualmente, no caso de animais domésticos a Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/98). Isso demonstrou uma mudança positiva de mentalidade por parte do legislador, contudo muitos destes animais continuam sendo abandonados e maltratados nos grandes centros urbanos.

Pode-se afirmar então, que os animais são tutelados juridicamente no Brasil, havendo leis que os protegem de maus-tratos, contudo, a questão parece girar em torno da efetividade destas leis.  Alguns atribuem tal ineficácia à falta de punições mais severas para aqueles que desrespeitam os direitos dos animais, a exemplo a advogada Danielle Tetü Rodrigues (2006, p. 75).

 

3. EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA GUARDA RESPONSÁVEL

A educação para guarda responsável é uma grande preocupação também das Associações e grupos de proteção aos animais. Exemplo disso pode ser verificado no depoimento abaixo do veterinário Emanuel Maciel, apresentado a autora deste trabalho no ano de 2007:

[...] para que a causa da proteção animal logre êxito duradouro, deve-se nortear as ações na formação de seres humanos cientes de suas responsabilidades perante os ambientes urbano, rural e selvagem.  

A EDUCAÇÃO é a ferramenta de mudança do mundo. Uma vez resgatado um único homem da ignorância, salvar-se-á centenas de animais da rua.

Diversas associações e também grupos informais de proteção animal, atuam no município de Fortaleza, a citar UIPA – União Internacional de Proteção Animal, APATA - Associação Protetora dos Animais para Tratamento e Adoção, UPAC – União Protetora dos Animais Carentes, GPA – Grupo de Proteção Animal, Protetores Voluntários,  GABA - Grupo de Apoio ao Bem-estar Animal, OPA - Organização Protetora dos Animais de Fortaleza, Abrigo São Lázaro, etc. E muito embora tais grupos e associações possuam grandes diferenças e modos de atuação, todas sem exceção, trabalham de alguma forma na promoção da educação ambiental para guarda responsável, seja mediante realização de palestras, distribuição de material gráfico, repasse de informações por intermédio de sites, eventos educativos, promoção de campanhas de adoção e esterilização de animais, dentre outros.

Em Fortaleza existe a lei municipal nº 8.966/05, visa regular as ações do Poder Público, objetivando o controle das populações animais, a prevenção e o controle das zoonoses e endemias no município de Fortaleza. Tal lei refere-se diversas vezes acerca de atribuições do CCZ, que é um órgão subordinado à Secretaria Municipal de Saúde, responsável pelo controle de agravos e doenças transmitidas por animais (zoonoses), através do controle de populações de animais domésticos (cães, gatos e animais de grande porte) e controle de populações de animais sinantrópicos (espécies que, indesejavelmente, coabitam com o homem, tais como ratos, baratas, moscas, pernilongos, pulgas, etc).  Na referida lei municipal, os artigos 38 e 40 atribuem às Secretarias Executivas Regionais (SER) e ao CCZ, a promoção da educação ambiental voltada para guarda responsável (no referido texto consta como “posse” responsável). Acerca da noção de guarda responsável aduz João Marcos Adede y Castro (2006, p 72):

[...] na vida doméstica, das casas e apartamentos, observamos pessoas extremamente interessadas na posse de um animal, mas absolutamente despreparadas para a função. Um animal não é um brinquedo, que podemos abandonar quando dele cansamos ou quando não temos mais condições econômicas, ou físicas, de cuidá-lo.

A questão da ausência de conscientização da população acerca da guarda responsável de animais é claramente percebida ao analisar os números apresentados pelo relatório de atividades do CCZ, referente à entrega de animais pelos proprietários, ao referido órgão ou requisitada a busca através do serviço SOS cão (serviço no qual a população entra em contato com o órgão requisitando remoção de animal, em tese, doente). A adoção de animais ainda é pouco praticada, e de todos os animais capturados ou entregues, direta ou indiretamente ao CCZ, pouco mais de 4% foram adotados ou resgatados. Os números são alarmantes, e contribuem para o alto índice de eutanásias realizadas pelo CCZ, chegando a quase vinte mil cães e gatos ao longo do ano de 2008.

Esse número revela a ausência de conscientização em relação ao controle de natalidade de animais, bem como demonstra a “guarda irresponsável” ao serem entregues animais sadios por motivos fúteis, ou ainda animais doentes, mas que poderiam ser tratados se assim os donos desejassem, uma vez que nem todos os animais entregues necessariamente estão com leishmaniose visceral canina (calazar) ou alguma outra doença considerada grave ou incurável como a raiva. O próprio CCZ dispõe de serviço de atendimento veterinário gratuito, e no caso de impossibilidade de tratamento neste, ainda haveria a clínica para pequenos animais da faculdade de veterinária da Universidade Estadual do Ceará - UECE, a qual faz atendimentos e cirurgias a preços populares. 

No ano de 2008, alarmada com o altíssimo número de animais eutanasiados (em sua grande maioria sem que haja exame veterinário que comprove a presença de alguma doença incurável) e indignada pela falta de programas que evitassem o abandono e a multiplicação de animais por parte do poder público municipal, a UIPA – União Internacional de Proteção dos Animais levou a denúncia até a promotoria do meio-ambiente, que posteriormente veio a ensejar uma Ação Civil Pública sob o número 2008.0025.9539-3, em tramitação atualmente na 8ª Vara da Fazenda Pública, aguardando sentença definitiva.

O Município de Fortaleza foi notificado a demonstrar a adoção das providências necessárias a coibir a prática da eutanásia de cães e gatos no CCZ sem prévio exame médico veterinário que ateste ser o animal portador de doença incurável ou terminal. O Secretário de Saúde justificou a eutanásia dos animais em razão da impossibilidade do CCZ de cuidar dos mesmos em face do desinteresse da população em adotá-los.

O Ministério Público alegou que o comportamento adotado pela Prefeitura e pelo CCZ no trato da questão, não encontra substrato legal, contrariando os princípios norteados da matéria, uma vez que a lei municipal 8.966/05 que dispõe sobre a prevenção e controle das zoonoses e endemias elenca em seu artigo 8º a destinação dos animais apreendidos. Portanto, deveria, o Município de Fortaleza antes de levar a sacrifício os cães e gatos apreendidos efetivar as medidas previstas nos incisos da mencionada lei, devendo ser promovida a adoção destes animais.

Em setembro de 2008 foi concedida liminar determinando que o Município de Fortaleza que adote as providências necessárias e suficientes para que o CCZ se abstenha de promover o extermínio puro e simples dos cães e gatos ali recolhidos e que estejam sadios e aptos para adoção, devendo proceder a esterilização dos mesmos. Contudo vale salientar que até o presente momento (setembro de 2009), as esterilizações de animais no CCZ ainda não iniciaram, tendo o órgão apenas diminuído o número de capturas de animais[1], no entanto o número de animais que chegaram ao CCZ por meio do SOS cão não diminuiu[2] em relação aos meses anteriores à concessão da liminar. Felizmente o número de adotados[3]  aumentou um pouco em relação a média dos meses anteriores, desde a concessão da liminar, mas ainda trata-se de um número incipiente e há muito o que ser feito.

Provavelmente se existisse de fato um programa eficiente de educação ambiental, o número de animais abandonados e conseqüentemente eutanasiados, seria consideravelmente menor, bem como o número de adoções tenderia a aumentar. Acerca das medidas tomadas pelos CCZs se coloca João Marcos Adede y Castro (2006, p. 91): “A simples retirada dos animais das ruas, com o sacrifício quase imediato, sem nenhum programa de esterilização e adoção responsável, apenas incentiva o abandono de animais”.

O artigo 39 da lei municipal nº 8.966/05 já previa, antes da liminar judicial,  a obrigatoriedade do CCZ implantar um programa permanente voltado para controle reprodutivo de cães e gatos.  Entretanto, apesar de existir um curso de veterinária na UECE (o qual inclusive fica próximo ao CCZ), não há ainda, efetivação de parceria entre tais instituições para realização de esterilização de animais, sendo, portanto um descumprimento tanto da lei, quanto da recente liminar judicial. Ou seja, a lei municipal fora sancionada em 2005, mas o órgão até o presente momento, ainda não foi devidamente preparado para poder cumpri-la, evidenciando uma clara despreocupação da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Fortaleza.

 

CONCLUSÃO

Não há dúvidas de que muito já se evoluiu com relação aos direitos dos animais no Brasil e no mundo. Prova disto é a crescente criação de leis de proteção à fauna desde o século passado até hoje, tutelando inclusive animais domésticos que antes ficavam a mercê meramente do direito de propriedade, bem como o surgimento de diversas associações e grupos atuantes na causa. Porém, ainda falta o principal: a educação. Pois será através dela que se conseguirá a efetivação destas leis e uma real mudança de atitudes dos humanos para com os animais.

E é exatamente neste sentido que as associações e grupos de proteção animal têm realizado diversas campanhas em escolas, bairros, centros comunitários, conscientizando a cerca da guarda responsável, maus-tratos, esterilização, incentivando a adoção e cobrando os órgãos públicos a efetivação das leis de proteção aos animais existentes. Em Fortaleza as associações e grupos de proteção animal, apesar de terem diferenças em suas atuações, convergem neste ponto, buscando a educação ambiental como forma de solucionar os problemas referentes ao descaso com animais.

Falta ainda o poder público arcar com suas responsabilidades legais, promovendo também a educação para guarda responsável e controle de natalidade dos animais, bem como cabe a população, criar uma consciência de respeito para com outras espécies, pois assim, com cada um fazendo a sua parte, poder-se-á enfim chegar a uma realidade melhor tanto para humanos como para os animais.

 

REFERÊNCIAS

 

 

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LEITÃO, Geuza. A voz dos sem voz. Fortaleza: INESP, 2002.

 

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[1] Em outubro de 2008, foram capturados 69 (sessenta e nove) animais, em novembro 27 (vinte e sete) e em dezembro nenhum animal. Nos meses anteriores de 2008, o número de animais capturados sempre somava mais de 100 (cem).

 

[2] Em outubro de 2008 somaram 873 (oitocentos e setenta e três) cães e gatos, em novembro 1052 (mil e cinqüenta e dois) e em dezembro 1131 (mil cento e trinta e um). De janeiro a setembro, tem-se uma média de 973,4 animais por mês.

[3] Em outubro de 2008, foram adotados 61 (sessenta e um) animais, em novembro 27 (vinte e sete) e em dezembro nenhum animal. De janeiro a setembro, tem-se uma média de 24,4 animais adotados por mês.

Ilustrações: Silvana Santos