Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2011 (Nº 37) Mata Seca (Floresta Estacional Decidual) em Minas Gerais: o racismo ambiental e o papel reestruturador da educação
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Mata Seca (Floresta Estacional Decidual) em Minas Gerais: o racismo ambiental e o papel reestruturador da educação

 

Henrique Magalhães1 e Larissa Câmara Ribeiro2

 

1-Mestre em Ecologia, Manejo e Conservação de Vida Silvestre (ICB/UFMG); Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais.

chp.magalhaes@yahoo.com.br

 

2-Graduanda em Psicologia (Fasi); Faculdade de Saúde Ibituruna, Av. Nice, 99, Ibituruna, Montes Claros, Minas Gerais.

 

 

A Mata Seca e a educação ambiental

“O Brasil, além de ser um dos maiores países do mundo em extensão, possui inúmeros recursos naturais de fundamental importância para todo o planeta: desde ecossistemas importantes como as suas florestas tropicais, o pantanal, o cerrado, os mangues e restingas, até uma grande parte da água doce disponível para o consumo humano. Dono de uma das maiores biodiversidades do mundo tem ainda uma riqueza cultural vinda da interação entre os diversos grupos étnicos – americanos, africanos, europeus, asiáticos – o que traz contribuições para toda a comunidade. Parte desse patrimônio cultural consiste no conhecimento importantíssimo, mas ainda pouco divulgado, dos ecossistemas locais: seu funcionamento, sua dinâmica e seus recursos” (PCN, 2001, p. 25).

Formações de ampla ocorrência como a Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Cerrado, mangues e outros, são estudados com alta frequência e seus conhecimentos quando repassados à mesma de maneira eficiente, geram mudanças na percepção da sociedade que resultam em clamor por políticas públicas para preservação dessas formações. Todavia formações raras, que deveriam ter preservação primordial simplesmente pelo fato de serem raras e mais sujeitas ao desaparecimento, são pouco estudadas, pouco conhecidas e consequentemente permanecem desprotegidas.

De acordo com a edição junho-julho da MG Biota (2008), publicação científica da Diretoria de Biodiversidade do Instituto Estadual de Florestas (IEF), as Florestas Estacionais Deciduais, popularmente conhecidas como Mata Seca, cobrem 3% do território brasileiro. A Floresta Estacional Decidual é conhecida como Mata Seca porque durante o período de estiagem, as árvores perdem quase completamente as folhas, como forma de se defender do clima hostil, todavia, assim que se aproximam as chuvas, ela se transforma numa floresta tropical exuberante. A capacidade de perder as folhas e depois produzi-las novamente reflete a grande disponibilidade de nutrientes no solo, o que os torna muito apreciáveis.

A Mata Seca atualmente é classificada como a formação vegetal mais ameaçada do planeta (NASSAR ET AL., 2008, pg. 17), apesar disto, segundo SCARIOT & SEVILHA (2005) faltam estudos detalhados sobre a distribuição e a caracterização dos fatores abióticos determinantes da ocorrência da Mata Seca no Brasil. Para a Biodiversitas, a Mata Seca de Minas Gerais permanece pouco conhecida, ao passo que as pressões antrópicas através do carvoejamento, reflorestamento e expansão agropecuária devastaram imensas áreas de vegetação nativa (DRUMMOND ET AL., 2005).

Se desejarmos a reversão deste quadro, um dos caminhos que a sociedade, principalmente a universidade deve priorizar é a realização de atividades de pesquisa e extensão com compromisso social. É preciso contemplar a região de estudo, que no caso é o norte de Minas, e ainda é negligenciada mesmo quando é objeto de estudo. Periódicos científicos escritos em inglês e publicados em revistas de difícil acesso à população local podem até colaborar para o currículo do pesquisador, mas dificilmente serão de encontro com as necessidades locais do objeto de estudo.

A resolução de uma problemática social não compete a uma única disciplina ou área de conhecimento. Trevisan (2000) fala do quanto é necessário que haja a compreensão da complexidade do fenômeno e dos contextos em que ocorrem, advogando assim a interdisciplinaridade para a resolução destes. Conhecer e pesquisar a problemática ora apresentada é importante, mas para que haja mudança, esta deve contemplar a educação ambiental nas escolas. É muito importante que o conhecimento científico seja repassado a comunidade (MAGALHÃES & CÂMARA, 2011). Segundo Trevizan (2000, p. 180), ciência é “um processo de descoberta e de construção do conhecimento, necessários para as mudanças sociais”, e para que essa mudança aconteça, “deve-se atuar com tal propósito no processo do conhecimento e de sua socialização”.

Um bom exemplo é o grupo Internacional de Pesquisas com Mata Seca, Tropi Dry, que além da pesquisa cientifica contempla a população local e investe na educação ambiental destas populações. A Rede Colaborativa de Pesquisas Tropi-dry (abreviação de “Tropical Dry Forests” ou Florestas Tropicais Secas) tem sede na Universidade de Alberta, Canadá, possuindo núcleos de pesquisa em outros sete países: Estados Unidos, Brasil, México, Costa Rica, Cuba, Venezuela e Panamá. Na rede, atuam profissionais de diferentes áreas, como biologia, ecologia, sensoriamento remoto, psicologia, ciências sociais e geografia, com o objetivo de desenvolver uma estratégia comum, em parceria com órgãos tomadores de decisão locais e nacionais, para a elaboração de políticas públicas e de conservação e desenvolvimento sustentável das regiões onde ocorre Mata Secas (LIMA, 2006; NASSAR ET AL., 2008).

No âmbito da educação ambiental é importante observar e entender a crescente valorização do papel da educação como agente difusor dos conhecimentos sobre o meio ambiente e indutor da mudança dos hábitos e comportamentos considerados predatórios, em hábitos e comportamentos tidos como compatíveis com a preservação dos recursos naturais. Todavia, estes hábitos fazem parte de uma relação socioambiental historicamente configurada e dinamicamente movida por tensões e conflitos sociais (CARVALHO, 2001). Justamente nesse contexto, a Educação Ambiental torna-se um processo importante e participativo, através do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, adquirem conhecimentos, atitudes e competências voltadas para a conquista e manutenção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (IBAMA, 1995). Porém este é um processo dinâmico onde partes distintas lutarão para defender seus interesses.

 

A Mata Seca e a luta política

Nos últimos 18 anos, as políticas de uso e ocupação da Mata Seca do Norte de Minas Gerais foram intensamente debatidas, uma vez que os órgãos ambientais entenderam que estas formações estariam protegidas pelo Decreto Federal 750 (BRASIL, 1993) segundo o qual as Florestas Estacionais Deciduais são classificadas como parte da Mata Atlântica, o que proíbe qualquer tipo de intervenção humana em remanescentes dessas florestas que se encontrem em estágios primários ou secundários de regeneração. Este decreto tem gerado grande polêmica, pois ruralistas, interessados na criação de pastos e carvão, em sua maioria, se dizem favoráveis à conservação dos recursos naturais e que é possível unir preservação do meio ambiente com desenvolvimento sustentável.

Entretanto, pressões do setor agropecuário levaram à promulgação, em janeiro de 2008, da Lei Estadual 17.353 (MINAS GERAIS, 2008), que permite o desmatamento de até 70% da Matas Seca para o estabelecimento de atividades sustentáveis. Entretanto, não houve nenhuma regulamentação do tipo de atividade considerada sustentável ou de indicadores de sustentabilidade.

Em Agosto de 2010, a Lei Estadual 19.096 (MINAS GERAIS, 2010) retirou a Mata Seca dos domínios da Mata Atlântica. Em 13 de Dezembro de 2010, a Procuradoria Geral de Justiça de Minas Gerais obteve uma liminar para suspender os efeitos desta última determinação. O argumento usado na Ação Direta de Inconstitucionalidade foi o de que a determinação vai de encontro às diretrizes da Lei Federal 11.428 (BRASIL, 2006), que regulamenta o uso da Mata Atlântica. Esta luta pelo desmatamento ou proteção da Mata Seca no Norte de Minas, reflete o poderio de determinados grupos econômicos, sua influência e força política na luta pela defesa de seus interesses e ao mesmo tempo mostra a fragilidade da sociedade civil.

 

O racismo ambiental e as perspectivas para o futuro

A Mata Seca ainda que possa ser questionada como sendo ou não integrante da Mata Atlântica, merece pelo menos, o mesmo regime especial de proteção em termos de pesquisa e conservação da biodiversidade, por parte dos atores públicos, setor produtivo, órgãos ambientais e sociedade civil, levando-se em consideração que é endêmica e restrita, ocupa espaço territorial muito pequeno, pouco estudado e pouco conhecido. Infelizmente a Mata Seca ainda não tem o mesmo apelo que a Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica, ficando muitas vezes sujeita a políticas duvidosas de uso e conservação.

O Norte de Minas Gerais é uma das regiões mais pobres do estado e possui presença marcante de populações tradicionais, como o indígena, remanescentes de quilombos, geraizeiros, vazanteiros e outros habitantes que subsistem dos recursos naturais florestais. A Mata Seca de Minas está ameaçada por, e foi submetida a uma política, práticas e diretivas que afetaram e prejudicaram de forma diferente tanto voluntária quanto involuntariamente pessoas, grupos e comunidades devido a destruição de um bem coletivo que beneficiou apenas a um pequeno grupo. Esta política discriminatória pode ser classificada como “racismo ambiental” (BULLARD, 2005). Devido à proximidade do Rio São Francisco, a Mata Seca do Norte de Minas encontram-se sob forte pressão antrópica, sofrendo a influência de grandes projetos de irrigação como o Projeto Jaíba e outras atividades agropecuárias de menor escala (SILVA ET AL., 2004).

Quando se trata de decidir e agir com relação à qualidade de vida das pessoas, é fundamental trabalhar a partir da visão que cada grupo social tem do significado do termo meio ambiente e, principalmente de como cada grupo percebe o seu ambiente e os ambientes mais abrangestes em que está inserido. São fundamentais, na formação de opiniões e no estabelecimento de atitudes individuais, as representações coletivas dos grupos sociais aos quais os indivíduos pertencem (PCN, 2001, pg. 31). A educação ambiental está longe de ser uma atividade tranquilamente aceita e desenvolvida, por que ela implica mudanças profundas e nada inócuas. Ao contrário, quando bem realizada, a educação ambiental leva a mudança de comportamento pessoal e a atitudes e valores de cidadania que podem ter fortes conseqüências sociais (PCN, 2001, pg 27).

 

Referências

BRASIL. Decreto nº 750, de 10 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, e dá outras providências. Brasília, DF. Senado Federal. 1993.

BRASIL. Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências. Brasília, DF. Senado Federal. 2006.

BULLARD R. Ética e racismo ambiental. Revista Eco 21. 98: janeiro. 2005.

CARVALHO I.C.M. Qual educação ambiental? Elementos para um debate sobre educação ambiental e extensão rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. 2: 43-51. 2001.

DRUMMOND G.M., MARTINS C.S., MACHADO A.B.M., SEBAIO F.A., ANTONINI Y. Biodiversidade em Minas Gerais. Fundação Biodiversitas. Belo Horizonte. 2005.

IBAMA. Curso de Capacitação de Docentes em Educação Ambiental – Apostila do Núcleo de Educação Ambiental / Superintendência do RJ. Rio de Janeiro. 1995.

LIMA A. Verde que te quero verde. Revista Minas Faz Ciência. 28: dez 2006 - fev 2007. 2007.

MAGALHÃES C.H.P., CÂMARA L.R. Relato de experiência: Uso do saber científico em Ecologia como ferramenta na educação ambiental no Projeto Biotemas. Revista Educação Ambiental em Ação 35: Março – Maio. 2011.

MG BIOTA. Boletim técnico científico da diretoria de biodiversidade do IEF–MG. Belo horizonte: Instituto Estadual de Florestas. 2008.

MINAS GERAIS. Lei n° 17353 de 17 de janeiro de 2008. Dispõe sobre a alteração do uso do solo nas áreas de ocorrência de Mata Seca. Belo Horizonte, MG. Palácio da Inconfidência de Minas Gerais. 2010.

MINAS GERAIS. Lei n° 19096 de 03 de agosto de 2010. Altera a lei nº 17.353, de 17 de janeiro de 2008, que dispõe sobre a alteração do uso do solo nas áreas de ocorrência de Mata Seca. Belo Horizonte, MG. Palácio da Inconfidência de Minas Gerais. 2010.

NASSAR J.M., RODRIGUEZ J.P., SÁNCHEZ-AZOFEIFA A., GARVIN T., QUESADA M. Manual of Methods: Human, ecological and biophysical dimensions of tropical dry forests. Gráficas Lauki C.A. Caracas Venezuela. 2008.

PCN – Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente: saúde. Brasília. Ministério da Educação. 2001.

SCARIOT A., SEVILHA A. C. Biodiversidade, estrutura e conservação de

Florestas Estacionais Deciduais no Cerrado. In: SCHARIOT, A.; SOUSA, J.C., FELFILI, J.M. (ed.). Ecologia, Biodiversidade e Conservação do Cerrado. Brasília. 2005.

SILVA J.M.C., TABARELLI M., FONSECA M.T., LINS L.V. Biodiversidade da caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2004.

TREVIZAN S. dal P. Ciência, meio ambiente e qualidade de vida: uma proposta de pesquisa para uma universidade comprometida com sua comunidade. Ciência & saúde coletiva 5: 179-186.

Ilustrações: Silvana Santos