Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2011 (Nº 37) Educação Ambiental na Educação Infantil: uma reflexão metodológica sobre a contação de histórias
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Educação Ambiental em Ação 37

Educação Ambiental na Educação Infantil: uma reflexão metodológica sobre a contação de histórias.

 

 

 

Gabriela Carolina Cattani Delord.¹

 

1 - Gabriela Carolina Cattani Delord – Bióloga, Pós-graduada em Educação Ambiental, Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática pela PUCRS. Av. Ipiranga, nº 6681, Prédio 10 – Faculdade de Física. 90619 – 900. Fone: (51) 3320 – 3708 – Fax: (51) 3320 – 3608. E-mail: gabiccd@hotmail.com

 

RESUMO

Este texto aborda um relato de prática em sala de aula, bem como uma reflexão metodologia sobre a Educação Ambiental trabalhada a partir da contação de histórias.                                                                                                                                                    Esta prática foi realizada durante todo o ano de 2009 em mais de 12 escolas particulares de Porto Alegre atendendo a Educação Infantil. Destacamos no texto um debate reflexivo sobre a contação de histórias, problematizando como o conto pode dificultar a aprendizagem da Educação Ambiental e a postura crítica do aluno.

Palavras-chave: Educação Ambiental, Contação de histórias, Educação Infantil.

Introdução

            No presente texto, proponho-me a contribuir para uma reflexão sobre a contação de histórias em sala de aula como sendo esta uma metodologia de ensino para diversos temas e conteúdos, aliás, muito utilizada por professores de todas as áreas do ensino.

 Era uma vez um grupo chamado Cia Lúdica. Este grupo era formado por graduandos e graduados de diversos cursos de licenciaturas como: Filosofia, Pedagogia, Música e Biologia. O grupo ministrou oficinas de Educação Ambiental (EA) em doze escolas de Educação Infantil, todas particulares e situadas no município de Porto Alegre. O projeto foi desenvolvido durante o ano de 2009 atendendo um público alvo de crianças de dois a seis anos de idade; e a metodologia utilizada foi a contação de histórias.

            Quando foi proposto o desafio de trabalhar a Educação Ambiental e seus temas transversais como: meio ambiente, saúde, higiene, alimentação, poluição, entre outros, para um público de dois a seis anos, a linguagem escolhida e o método de ensino foi determinado a partir do conto e da música, entendendo que seria um método próximo da realidade do público alvo. Posto isto, a nossa equipe não se limitou em desenvolver adaptações do tema – EA, em histórias já prontas como Branca de Neve, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho e tantas outras, o que não seria uma má idéia. Optou-se então por criar personagens lúdicos e histórias de própria autoria do grupo.

            As histórias possuíam um caráter fictício no qual, o cenário seria uma “galáxia distante” e os personagens eram todos super – heróis habitantes desta galáxia. Claro, já havia me esquecendo, também havia um vilão. O objetivo dos heróis estava contido em salvar o Planeta Terra da poluição, orientando os alunos de como isso poderia ser feito, introduzindo alguns temas da EA como por exemplo, a reciclagem, a economia de água e energia e ainda, a utilização de energias limpas no dia a dia. No entanto todas estas contextualizações eram desenvolvidas com a visão dos super–heróis, visão que eles possuíam do Planeta Terra e sua percepções e sugestões que eles, os heróis detinham em sua sabedoria “mágica”.

Para poder iniciar a reflexão proponho então explicar as quatros situações chaves que desencadearam uma reflexão metodológica do grupo, no qual se considerou que o método da contação de história a partir de personagens lúdicos, não estava oportunizando a aprendizagem dos conceitos de EA.

Situação 1:

            Quando os super – heróis foram apresentados às crianças em formato de bonecos de Eva, elas demonstraram entusiasmo e admiração por eles, muito se “apossaram” destes heróis em suas brincadeiras inclusive, fora do horário de aula, como no recreio ou em casa – situação relata por pais e professores. Nesta situação 1, percebemos que nada de diferente ocorria até então, afinal a criança trabalha suas emoções e fantasias em cima de personagens e sonhos lúdicos, o que é próprio da idade.

Existem muito autores que defendem a idéia de se trabalhar o conto em sala de aula, o que eu também estou de acordo, assim como podemos perceber no livro A psicanálise dos contos de fadas, que aponta o conto como sendo um método que pode trabalhar as emoções das crianças de forma lúdica e prazerosa.

 

   [...] a criança gosta dos contos de fadas não porque as imagens que encontra neles estejam conformes ao que se passa em seu íntimo, mas por que – apesar de todos os pensamentos raivoso e angustiados em sua mente aos quais o conto de fadas dá forma e conteúdo específicos- essas histórias têm sempre um resultado feliz que a criança não pode imaginar por conta própria. (BETTELHEIM, Bruno. P. 175).

 

Logo, um bom conto de fadas pode ser uma alternativa positiva para trabalhar com diversos temas em sala de aula, dês de conteúdos específicos como com as situações-problemas do cotidiano. Mesmo assim, considerando a importância e o valor do conto, é bom ressaltarmos que nós educadores nem sempre temos este talento, de criarmos boas histórias ou de até mesmo, sermos bons contadores, e acabarmos trabalhando de maneira inadequada com as fantasia e sentimentos das crianças ou ainda, impedindo que a ciência seja trabalhada de forma madura e crítica.

 Situação 2:

Ao longo das oficinas percebi que as aulas de Educação Ambiental eram dadas de maneira “satisfatórias”, pois os alunos eram interessados, participativos e éramos muito bem recebidos pelas crianças, que esperavam as aula de EA um tanto ansiosos, que eram ministradas apenas um vez por semana, no tempo de 40 minutos em cada turma da Educação Infantil.

Tirando o entusiasmo dos alunos, a equipe de educadores percebeu que o foco das aulas ficava restrito aos personagens, no vilão e nos super-heróis, e os relatos dos alunos aos pais e professores eram centrados apenas nos personagem, e o que estava por trás destes que eram os conceitos da EA, não eram discutidos e relatados pelos alunos no final das aulas.

Conforme contextualização da situação 2, identificamos  que o acúmulo de ludicidade explícita como no caso dos super – heróis e do vilão, acabaram sendo uma barreira, pois a EA ficou por trás dos heróis, os conceitos que eram pretendidos pelo grupo, não foram identificados e compreendidos pelos alunos, que estavam atentos apenas para o lúdico.

                    

Situação 3:

Com os avanços das oficinas de EA surge mais uma situação peculiar para a equipe de educadores de EA. Nesta etapa os alunos passaram a admirar o vilão. Este personagem foi criado por nós justamente para representar a poluição, a sujeira e o desmatamento, esta admiração das crianças pelo vilão, fez a equipe de educadores pararem de vez com este trabalho, para iniciar uma reflexão do que deveria estar acontecendo. Entretanto, não restavam dúvidas de que havia algum problema na metodologia desenvolvida.

Considerando a EA como sendo um tema de educação e orientação do cidadão diante de um meio, percebemos que a equipe estava trabalhando não estava atingindo este objetivos, aliás nem perto de atingir pois tudo o que se pretendia, orientar, educar para um mundo mais limpo, mais sustentável, estava sendo trocado pela admiração das crianças por um vilão atrapalhão, que só queria poluir o Planeta Terra.

 A solução de imediato foi retirar o personagem, o “vilão”, das aulas de EA, na tentativa de acertar o método de ensino, no entanto este personagem sempre era lembrado pelos alunos com carinho afinal, ele era um vilão engraçado e chamava muita atenção das crianças de maneira tão significativa que elas queria poluir também o Planeta Terra, o que nos colocou em uma situação bastante complicada ainda mais quando a intenção era trabalhar justamente com os conceitos inversos,  de limpar e preservar o Planeta Terra.

     

Situação 4:

 

Sem o vilão nas aulas de EA, restaram ainda os super-heróis que automaticamente perderam a sua “graça”, ou seja, perderam o seu valor, uma vez que retirou-se de cena o inimigo, o vilão, que sem dúvida como em todos os contos é o personagem  que motiva um herói em resolver um desafio ou uma batalha. Com este novo contexto a equipe optou por não trabalhar com os heróis também, finalizando assim uma etapa de ludicidade.

Finalizamos a história dos heróis e do vilão do mesmo modo que começou: de uma galáxia distante eles vieram e para a mesma foram embora. Finalizando então a história a equipe fez um gancho para relembrar o que os personagens haviam ensinado para eles e assim, iniciarmos uma nova metodologia de ensino.

 Nós educadores decidimos então manter a linguagem de contação já que esta era bem aceita pelos pequenos alunos assim como a música, e optamos por desenvolver a EA com uma visão mais próxima do cotidiano dos alunos, no qual os personagens principais eram os próprios educandos, eles mesmo tinham desafios, faziam reflexões diante de situações-problemas expostas pela equipe e conforme nossa avaliação, os objetivos da EA começaram a ser trabalhadas de forma significativa, ainda dentro de uma perspectiva inicial do projeto, promovendo então a reflexão em sala de aula.

Divido então com o leitor o quanto estas quatro situações apresentadas foram difíceis para estes educadores que enfrentavam desafios simultâneos: o de trabalhar com a Educação Infantil, com a contação de histórias e com a frustração dos alunos ao invés de preservar o ambiente querer poluir.

Discutindo o tema apresentado

[..] o espírito científico deve lutar sempre contra as imagens, contra as analogias, contra as metáforas” (Bachelardd, 1996, p.48).

 

 

Foi com base nesta experiência que trago este relato de caso para debate, pois, a partir das situações apresentadas - 1, 2, 3 e 4 busquei para este texto autores da área de Ciências, que explicassem ou elucidassem porque a metodologia – contação de história através dos heróis e do vilão, não otimizaram o desenvolvimento dos princípios da EA.

Para um início de debate trago a alfabetização científica para este texto, esta foi introduzida no currículo escolar a partir do ano de 1930 e considerava a importância de um ensino científico dentro da escola dês dos anos iniciais, para a formação de um cidadão crítico, que conseguisse a partir dela relacionar a Ciência com o seu cotidiano, tendo base para resolver os problemas do dia a dia e se afastar das incertezas e mitos da sociedade.

             Se a alfabetização Científica pretendia mudar a escola, Chassot (2002) que hoje a comunidade é que vem transformando a escola, através da mídia, internet e principalmente dos saberes do senso comum. Não é novidade que no ano de 2011, um livro didático da língua Portuguesas, produzido pelo Ministério da Educação, foi distribuído considerando a forma falada da língua como forma correta também na escrita com uma frase de bastante impacto e crítica: “nóis peguemo um peixe”, apenas relembrei este fato para contextualizar o quanto a educação está retrocedendo, enquanto a alfabetização científica tentava suprir o senso comum, hoje a escola considera estes como ciência, como verdade. O que de fato também poderia ter ocorrido com a nossa equipe, que pretendia trabalhar um mundo sustentável e acabou influenciando os alunos, em um primeiro momento, a poluir o ambiente, se esta metodologia não tivesse sido repensada poderíamos ter contemplado uma visão distorcida da EA.

O Ensino de Ciências e a Alfabetização Científica foram sendo substituídas por estes novos ensino e metodologias como: jogos lúdicos, contação de histórias, músicas, brincadeiras, gincanas, entre outros, todos métodos nos quais são importantes, mas não podem substituir a importância do ensino de científico, um ensino afastado do senso comum e que exige uma certa maturidade por parte do educador para com os seus educandos.

Entendemos então que privilegiar apenas o lúdico é também contribuir com o analfabetismo científico e a incapacidade de se fazer a leitura do Universo.

 

 

Entender a ciência nos facilita, também, contribuir para controlar e prever as transformações que ocorrem na natureza. Assim, teremos condições de fazer com que essas transformações sejam propostas, para que conduzam a uma melhor qualidade de vida. Isto é, a intenção é colaborar para que essas transformações que envolvem o nosso cotidiano sejam conduzidas para que tenhamos melhores condições de vida. Isso é muito significativo. (CHASSOT, 2002).

 

 

            Sendo assim, a criança precisa ser alfabetizada cientificamente para compreender a realidade dos fenômenos, criando um amadurecimento no seu saber, foi por isso que a partir da retirada dos personagens heróis e do vilão que a EA foi compreendida pelos alunos, talvez isso possa também acontecer coma Matemática, a Física e a Química, enquanto um professor insiste em um jogo ele também pode estar apostando em uma falha de aprendizagem.

                     

 

          

 

             Algumas Considerações

 

 

Um dos objetivos principais, se não o principal, do ensino de Ciências é o de propiciar que o estudante adquira uma visão adequada sobre natureza da Ciência. (HARRES, p. 37)

 

As crianças dos dois aos sete anos de idade possuem uma maneira muito peculiar de explicar os fenômenos naturais, elas vivem em um mundo fantasioso, o que é natural para um ser que ainda não teve oportunidade de elaborar teorias científicas. Recordo quando em uma das aulas perguntei por que havia dias de sol e outros de chuva? As respostas forma muitas e com bastante convicção, postas pelos próprios alunos, como esta: - “tem sol quando Deus está feliz e tem chuva quando Deus chora”

 

Com base nestas considerações, cabe a nós educadores e pais, conduzir a criança pra uma alfabetização científica, no qual a criança pode dar vida a objetos e buscar explicações abstratas para suas incertezas, e até mesmo, ser “amiga de alienígenas”. No entanto, os educadores, sejam eles pais ou professores, devem orientar as respostas sobre fenômenos da natureza, de maneira um tanto científica, afastando-se do mundo da fantasia e trazendo a criança para o mundo real.

            Após o relato de experiência exposta na introdução deste texto e buscando autores da área de Ciências para debater o tema, digo ao leitor que não sei se hoje consigo chegar a uma conclusão única e final sobre as situações relatadas, mas talvez possa chegar em algumas considerações importante como por exemplo que a EA não deve ser trabalhada de forma afastada da realidade, pois enquanto o grupo de educadores desenvolvia o conto a partir de um vilão e super – heróis não conseguiu desenvolver os conceitos propostos. Acreditamos ainda que é importante trabalhar a EA  com temas do cotidiano no qual a população polui o ambiente que vivi e ela mesmo deve estar orientada a partir de ações educativas para minimizar os impactos produzidos por nós mesmos e isso deve ficar claro para o aluno, para que ele se identifique como poluidor e como cidadão ativo para diminuir os seus impactos no ambiente, nossa equipe acredita que isso só é possível se a realidade estiver sendo ilustrada, se houver espaço para reflexão e debate e isso pode sim ser trabalhado em diversas metodologias inclusive o conto, dês de que este compreenda estas características.

 Convido então aos professores da área de Ciências a debater este assunto pois a aprendizagem pode se transformar a cada dia, mas compartilho neste texto a evidencia de que assim que o lúdico foi refletido por nossa equipe como um obstáculo nas oficias de EA, reconhecemos que oportunizamos aos alunos uma alfabetização ambiental, em que eles começaram a conhecer valores e a praticá-los tanto na escola quanto na família, conforme relatos dos próprios pais e professores, fato pelo qual não ocorria quando os personagens estavam em cena.

Para finalizar, reforço que em nosso projeto não foi necessário deixar de trabalhar com o conto, apenas se fez necessário abandonar durante o projeto um método extremamente lúdico, que não estava oportunizando a aprendizagem e o debate da EA. Assim, é importante que nós educadores possamos acreditar mais no aluno, para assim avançar e qualificar a educação, e não transformá-la e generalizá-la em métodos facilitadores, como jogos, músicas e animismo em sala de aula, que muitas vezes não colocam o aluno em um papel de reflexão e oportunize a associação da teoria ao cotidiano e o ensino se torne uma grande brincadeira.

 

REFERÊNCIAS:

BACHELARD, Gastón. A formação do espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

 

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

 

CHASSOT, Attico. Alfabetização Científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação v . , n. 21, p. 157-158, set. 2002.

 

HARRES, João B. S. Epistemologia e ensino de ciências: compreensões e perspectivas. In: MORAES, Roque (Org.). Construtivismo e ensino de ciências. 3 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, v . , p. 13-36.

 

Ilustrações: Silvana Santos