Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2011 (Nº 37) DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A PRÁTICA EDUCATIVA
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Educação Ambiental em Ação 37

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL  E A  PRÁTICA EDUCATIVA                   

 

 

 

Aguinaldo Salomão Silva

Biólogo, Mestre em desenvolvimento sustentável (UNB) e Professor do Colégio Militar de Juiz de Fora. Av. Presidente Juscelino Kubitschek,  5200. CEP 36087-000. E-mail: profsalomao@gmail.com

 

 

RESUMO

 

O mundo contemporâneo vem se caracterizando por profundas transformações de ordem econômica, política, social, cultural, tecnológica, ambiental e colocando aos diversos setores sociais o desafio da construção de novos paradigmas e estratégias que resultem em sociedades democráticas. Assim sendo, apresentamos neste despretensioso trabalho, algumas considerações de ordem teórico-conceitual que possam subsidiar o avanço das discussões pedagógicas, no sentido de sensibilizar os profissionais da educação sobre a importância de se permitir a inserção do ideário do desenvolvimento sustentável na cotidianeidade da prática escolar.

 

Palavras-chaves: Desenvolvimento sustentável. Sociedades sustentáveis. Quatro pilares da educação do século XXI. Educação.

 

 

            Introdução

Narram os registros da historiografia humana que, há quase quatro milênios,  muitas cidades sumérias foram abandonadas em decorrência da infertilidade agrícola, cuja causa foi o alagamento e a salinização solo (PENNA, 1999). Filósofos gregos e administradores romanos já chamavam a atenção para alguns impactos ambientais oriundos do desmatamento.

Na Idade Média, não faltam exemplos de problemas ocasionados pela exploração irracional e abusiva dos recursos naturais. No entanto,  foi no século XVIII, mais precisamente com a Revolução Industrial, que os problemas socioambientais, figurados pela poluição, crescimento populacional e deterioração do meio ambiente se tornaram mais evidentes.  Contudo, foi no período pós-guerra que os elevados índices de produção e consumo, conjugados ao elevado crescimento populacional e à intensificação dos processos urbanizatórios, concorreram para o surgimento de uma crise ambiental de características globais.

Inúmeros estudos foram levados a cabo no sentido de se estudar os aspectos multifacetários dessa crise ambiental. Nesse particular destaca-se o estudo encomendado pelo Clube de Roma em 1972, do qual gerou um relatório que tencionava demonstrar a inviabilidade do modelo de crescimento industrial bem como, a necessidade de se atingir a meta do crescimento zero, como forma de coibir os impactos antropogênicos no meio ambiente causados pelo padrão de desenvolvimento então hegemônico. Nesse mesmo ano é realizada em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano e, pela primeira vez, em instância intergovernamental, a questão ambiental foi discutida sob a perspectiva política, econômica e social. 

A partir dessas discussões, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o conceito de ecodesenvolvimento, o qual se contrapõe aos atuais modelos de desenvolvimento adotados. A partir do Relatório Brundtland (1987), o conceito ecodesenvolvimento foi substituído pela expressão desenvolvimento sustentável.

Lamentavelmente, o termo desenvolvimento sustentável vem sendo apropriado por alguns setores privados e públicos como forma de propaganda de seus produtos e serviços. Esvaziado de seu real sentido ideológico que é a ruptura de um modelo que privatiza os lucros para uma minoria e socializa os prejuízos para uma maioria, o termo desenvolvimento sustentável torna-se uma letra morta. Nesse sentido, uma educação que seja realmente capaz de encarnar os dilemas societários, éticos e estético da atual civilização, pode muito contribuir para a efetivação de um desenvolvimento que seja realmente sustentável (CARVALHO, 2006).

 

O paradigma do desenvolvimento sustentável tem, na instância educativa, uma grande aliada. É nela que vão se consubstanciar os conhecimentos, as habilidades, os valores e as atitudes que influenciarão decisivamente o organismo social e o meio ambiente.

Entretanto, quando se analisa os sistemas educativos formais da contemporaneidade, vê-se que, na maioria das vezes,  eles não têm contribuído favoravelmente para a formação integral da pessoa humana. Além de não levarem em conta a diversidade dos talentos individuais, buscam privilegiar cada vez mais a lógica aristotélica-cartesiana-newoniana (pensamento binário, fragmentação do saber e visão linear dos fenômenos), o conhecimento abstrato e o conteudismo em detrimento das outras qualidades humanas como a inteligência emocional e espiritual.

Por serem constantemente castrados em sua capacidade de expressar o seu modo de ser e sentir a vida, muitas crianças e jovens terminam por enveredar-se pelos labirintos escuros do desânimo ou dos comportamentos anti-sociais, engordando, mais tarde, os índices de evasão e reprovação escolar. Evidentemente que, na perspectiva do modelo pedagógico hegemônico, a culpa é sempre do aluno que se mostra desinteressado e apático em sala de aula. É preciso que os sistemas de ensino capacitem os alunos a aprenderem a pensar “fora da caixa” e desenvolver novos olhares e novas sensibilidades.

 

A teoria da relatividade e a física quântica tem nos mostrado sobejamente que a realidade que ora encontramos inseridos é perpassada por outras realidades diferentes, embora achemos que a nossa é a única. O atual sistema de ensino precisa sair do seu “leito de Procusto” e acompanhar os avanços científicos no campo de outros níveis de realidade fenomenológica e, dessa forma, despertar outros estados de percepção nos alunos, além do intelecto-cognitivo. Nesse aspecto, NICOLESCU ( 1999, p. 56), assinala que o exercício de perceber outros níveis de realidade permitem uma visão cada vez mais geral, unificante da realidade, sem jamais esgotá-la completamente.

 

Nessa mesma linha de raciocínio, o Relatório Mundial da UNESCO, publicado por Jacques Delors (2000), sugere que a educação no século XXI não deva abranger tão somente a realidade intelectual do discente. Segundo Delors, a educação atual deve ser integradora, ou seja, não pode ficar restrita somente no nível cognitivo do ser humano, mas deve procurar potencializar o desenvolvimento de outras dimensões tais como, a ética, estésica, técnica, emocional e espiritual. Mas, para que essa pedagogia seja realmente promotora de mudanças axiológicas, atitudinais e comportamentais nos alunos, ela necessita estar enraizada em pelo menos quatro eixos fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver juntos, aprender a ser.

 

            Aprender a conhecer

Esta aprendizagem refere-se à aquisição dos instrumentos do conhecimento tais como, o raciocínio lógico, a compreensão, a dedução e a memória. Além desses processos cognitivos é importante despertar no aluno, a vontade de aprender e o desejo de querer saber mais e melhor, pois quanto mais instrumentalizado estiver em termos de conhecimento maior, será seu tirocínio.

Contudo, para que esse objetivo seja atingido plenamente é indispensável que tenhamos professores motivados e altamente qualificados cognitiva, técnica e emocionalmente. Além disso, é importante que os docentes detenham uma acuidade psicoemocional capaz de perceber em seus alunos as suas reais necessidades e dificuldades, pois concordamos com Bacha (2002) que não é só veicular informações e conteúdos, mas nutrir com Eros o processo ensino aprendizagem. A mesma autora também afirma que o fazer pedagógico deve explorar nos alunos:

 

A dimensão imaginária dos processos cognitivos, aprimorando sua performance, ampliando o seu pensamento, alargando a sua capacidade de conhecer e de se conhecer. E, finalmente, “formar” o leitor iniciando-se nessa realidade surreal tramada pelo artista com os fios da fantasia e da razão, e sonegada já na infância por uma formação indolente (BACHA, 2002, p. 20).

 

 A educação dos jovens não pode ficar adstrita unicamente nos planos do intelecto e do abstracionismo. Para que ela consiga ser realmente informadora, formadora e transformadora, mister se faz conjugar razão e sentimento, cérebro e coração, inteligência e sensibilidade.

 

            Aprender a fazer

 

Indissociável do aprender a conhecer, que lhe confere as bases teóricas, o aprender a fazer refere-se essencialmente à formação técnico-profissional do aluno. Consiste essencialmente em aplicar, na prática e em sua vivência diária, os conhecimentos teóricos assimilados durante o processo ensino-aprendizagem.

 

Para Freire (2006, p. 26), o aprender a fazer somente acontece quando os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.

 

Um outro aspecto fundamental a ser focado neste tipo de aprendizagem é a comunicação. Aprender a fazer pontes dialógicas com outros saberes e conhecimentos é uma competência que deve ser incentivada nos alunos. Na sociedade do conhecimento, informação é poder. Entretanto a informação e o conhecimento veiculados para os alunos tem de ser significativos. Caso contrário, essas informações não irão sensibilizá-los e tampouco provocar nos mesmos alguma mudança comportamental. É preciso entender que quando se fala em aprendizagem significativa, estamos nos referindo a um conhecimento ou informação que possibilitem aos alunos estabelecerem sinapses entre o que aprendem e sua realidade cotidiana, e o que já conhecem.

 

            Aprender a conviver

 

Este domínio da aprendizagem consiste num dos maiores desafios para os educadores contemporâneos. Sem o domínio dessa aprendizagem a humanidade estará impossibilitada de enfrentar e superar as crises existenciais de ordem pessoal e coletivas.

 

Por mais respeitáveis que sejam os avanços científicos e tecnológicos, eles sozinhos são  incapazes de equacionar os transcendentes problemas do ser, da dor, do destino e da convivência entre as criaturas, pois eles atendem unicamente as necessidades materiais.

 

As religiões por suas vez, mais preocupadas com o reino da Terra não conseguem religar a criatura ao criador. Como conseqüência, o joio da fé cega e do fundamentalismo campeia nas searas da cristandade, do islamismo, do judaismo e dos demais “ismos”, espalhando o amor a Deus pela violência moral e bélica. Quanto paradoxo!

 

Fazendo uma análise da conjutura sócio-moral e cultural pela qual vem atravessando a civilização humana, BOFF (2006), assim expressa o seu pensamento:

 

Para conviver humanamente, inventamos a economia, a política, a cultura, a ética e a religião. Mas nos últimos séculos o fizemos sob a inspiração da competição de todos com todos. Isso gerou a falta de solidariedade, o individualismo, a cumulação privada e o consumismo irresponsável. O resultado? Uma solidão aterradora e uma profunda desumanização (BOFF, 2006, p. 09).

 

Esse ciclo de competição e separatividade deve se encerrar; pois,  caso contrário, ele conduzirá o planeta Terra e toda a sua humanidade a uma situação de insustentabilidade ambiental, social, econômica, cultural, ecológica e política. Uma das saídas para essa crise ético-moral da atualidade é acreditar numa educação renovadora, isto é, que faculte despertar na consciência do educando uma nova racionalidade:  o sentimento profundo de pertença, de solidariedade e tolerância para com as diferenças e os diferentes.

A construção de um mundo no qual todos possam viver minimamente felizes, exige que cada qual aprenda a conviver pacifica e harmoniosamente consigo mesmo e com os outros. Mas, para que isso se efetive realmente, o relatório mundial da UNESCO sugere que os sistemas educativos estimulen nos alunos uma descoberta progressiva do outro,  pois, sendo o desconhecido a grande fonte de preconceitos, o conhecimento real e profundo da diversidade humana combate diretamente este desconhecido.

O relatório supracitado reforça também a necessidade de se implementar projetos educativos no âmbito escolar, pois a participação dos alunos nesse tipo de atividade favorece a diluição de atritos e a descoberta de pontos comuns entre as pessoas e os povos.

Aprender a conviver é compreender que não obstante às diferenças de gênero, etnia, nacionalidade, cultura etc, todos são intrinsicamente gotas d`água que se originaram de uma única fonte: o oceano infinito da Sabedoria Cósmica. Uns denominam-no Tao, Brahma, Deus, Alá, Montesuma, Tupã, Jupiter, etc. Não importa os nomes que se atribuem a essa Inteligência Universal causa primária de todas as coisas, mas sim a certeza de que todos nós somos irmãos e filhos de um único Princípio Paternal/Maternal.

 

           

            Aprender a ser

 

Narra o fabulista Jean de La Fonatine (1621-1695) que certa feita uma rã vê um boi que lhe parece muito belo por causa do seu porte avantajado. Ao se ver tão pequena, pois o seu tamanho correspondia a de um ovo, a rã, invejosa, começa a alargar-se, a inchar-se e a esforçar-se para igualar-se em grandeza física ao boi. A rã idiota inchou-se tanto que estourou. Percebe-se que o mundo está cheio de pessoas insatisfeitas consigo mesmas, pois,  ao invés de cultivar a sua identidade e seus aspectos idiossincráticos querem a semelhança da rã insensata, imitar outras pessoas, negando a si mesmas, achando que dessa forma serão verdadeiramente felizes. Analisando esse comportamento psicológico da maioria das pessoas Hammed & Santo (2007) comenta:

Muitas vezes, esqueçemos-nos de que a fonte para suprir as nossas necessidades está em nós, não nos outros. Cada criatura possui em si um continente de potenciais a descobrir(...) Na verdade, não podemos copiar do outro uma forma certa de viver, porque somente temos a nós como bússola. Tudo o que fazemos, falamos e pensamos será revestido de nossas interperações, clareadas sob o ponto de vista das nossas vivências pessoais. Cada vida é única e extraordinariamente incomparável.  Este tipo de aprendizagem encontra-se profundamente vinculada as outras três supra citadas. Considera-se que a educação deve ter como finalidade o desenvolvimento integral do indivíduo isto é, o corpo, a afetividade, estesia, inteligência e a espiritualidade. À semelhança do aprender a viver com os outros, fala-se aqui da educação de valores e atitudes, mas já não direcionados para a vida em sociedade em particular, mas concretamente para o desenvolvimento individual (HAMMED & SANTO, 2007, p. 48).

 

O aprender a ser pressupõe desenvolver no educando o seu senso identitário.  Mas para que isso realmente aconteça no âmago do ensino, é imprescindível que a escola não seja apenas um espaço de veiculação do saber sistematizado e de avaliações quantificadoras, mas uma dimensão em que se dá também o encontro intersubjetivo. É nesse aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver intersubjetivamente que se consolida a aprendizagem do aprender a ser. Assim sendo, não existe desenvolvimento sustentável  sem uma educação que valorize os diferentes níveis ontológicos do ser humano, que são o cognitivo, o ético, o estésico, o técnico, o emocional e o espiritual. 

 

O desenvolvimento sustentável é, antes de tudo, a mola-mestra para a  superação da crise ambiental que hoje vem impactando negativamente não só o mundo natural mas também os ecossistemas sócio-culturais. Esse novo modelo de desenvolvimento econômico ao internalizar em seu bojo a dimensionalidade ambiental, social, ecológica e cultural, constitui-se em um importante contraponto do atual paradigma desenvolvimentista que é consumista, predatório, inumano.   

 

De acordo com Leff (1999), a problemática ambiental é como uma crise de civilização que emerge a partir do pensamento da complexidade como resposta ao projeto epistemológico positivista unificador do conhecimento e homogeneizador do mundo, caracterizando-se na forma de três aspectos fundamentais de fratura e renovação:

 

·         os limites do crescimento e a construção de novo paradigma de produção sustentável;

 

·         o fracionamento do conhecimento e a emergência da teoria de sistemas e o pensamento da complexidade;

 

·         as reivindicações da cidadania por democracia, equidade, justiça, participação e autonomia, como forma de se questionar a concentração do poder do Estado e do mercado.

 

 

Ainda conforme Leff (1994), os pontos de ruptura questionam os paradigmas do conhecimento e os modelos societários da modernidade, a partir da defesa da necessidade de construir outra racionalidade social, numa orientação de novos valores e saberes, além de modos de produção sustentada em bases ecológicas e com significados culturais, guiados por novas formas de organização democrática.

 

Os desequilíbrios ambientais, afetam direta e indiretamente uma grande parcela de seres humanos, visto que são parte do meio ambiente e, portanto, os impactos gerados serão também de ordem social, dentre os quais pode-se destacar a fome e a miséria, que têm aumentado paralelamente ao aumento da concentração da riqueza.

 

O meio ambiente só é meio ambiente na medida em que se refere ao homem e o homem não pode ser conceituado sem o seu meio ambiente. Assim colocado, a relação Homem-Meio Ambiente é íntima, contínua e afetiva, sendo por conseguinte uma interação necessária e universal. (OLIVEIRA, 2002, p. 26).

 

Entretanto, esta noção se perdeu ao longo do processo histórico da civilização, devido ao modelo utilitarista e imediatista de o homem lidar com a Natureza

 

Essa profunda dissociação entre sociedade e natureza nos remete à necessidade de se pensar e buscar soluções para os problemas dela decorrentes, mais notadamente, em nosso caso, aqueles que estão diretamente relacionados com o meio ambiente, como por exemplo, a questão da miséria, da degradação ambiental e da diminuição da qualidade de vida, da forma de se organizar a sociedade, dos problemas advindos com o rápido processo de urbanização, dentre outros. (ASSUNÇÃO, 1995, p. 15).

 

Essa forma imediatista de ver o meio natural como fonte infinita de recursos e matéria- prima, como meio para acumular riquezas materiais, gerou todas as desgraças sócio-ambientais vigentes e a necessidade de se estabelecerem outras formas de relação com a Natureza. Precisa-se evoluir da visão ocidentalizada materialista, imediatista, racional para a  holística e espiritual (BOFF, 1993).

Dever-se-ia aprender com os indígenas, que têm uma relação íntima de afeto com a Natureza, tendo-a como membro de si, é sua mãe, que lhes fornece tudo que precisam para sua sobrevivência, desde o alimento e o remédio às vestimentas. Sua relação com a Mãe Natureza é acima de tudo de respeito. O homem, dito civilizado, perdeu essa noção de pertença em relação ao meio natural, assumindo uma postura antropocêntrica na qual a Natureza é um objeto a ser explorado e dominado por ele. 

Somente por meio da tecnologia, não será possível equacionar os problemas socioambientais. É necessário antes de tudo, promover uma mudança de comportamento, por meio de uma educação que trabalhe o meio ambiente à luz do pensamento complexo. No entender de Morin (2005) complexo, significa:

 

o que foi tecido junto; de fato há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo(como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre unidade e a multiplicidade. (MORIN, 2005, p. 38).

 

Ainda de acordo com o mesmo autor, o pensamento complexo se contrapõe às operações lógicas. Essas caracterizam o pensamento disjuntor (fragmentação, compartimentação, disciplinarização  e redução) que tem gerado a inteligência cega, a qual  destrói os conjuntos e as totalidades, isola e separa os objetos de seu ambiente.

 

Ao analisar a tese de Edgar Morin sobre o pensamento complexo, Carneiro (2006) afirma que esse tipo de racionalidade traz grandes implicações metodológicas para a educação, já que ele transcende a obtusidade do paradigma da disjuntor, facilitando assim, uma

 

compreensão de ambiente como conjunto de inter-relações (interações, interdependências, inter-retroações); reconhecimento do mundo a partir dos princípios fundamentais da vida (princípios ecológicos), das leis-limite da natureza (processos entrópicos, morte) e da cultura (finitude de padrões epocais) e, nessa perspectiva, apreender o ambiente como potencial ecológico da natureza em simbiose com as dinâmicas culturais que mobilizam a construção social da história; apreensão unitária da vida na terra, interligada por redes biológicas (de redes metabólicas intracelulares  a teias alimentares de ecossistemas) e redes sociais (comunicação, simbólico-culturais e de funções diversas, inclusive de poder), as quais, se receberem perturbações significativas, podem desencadear múltiplos processos de realimentação, produzindo surgimento de uma nova ordem(mudanças inovadoras) ou um colapso de estruturas existentes; entendimento da problemática ambiental em suas multidimensões (geográficas, históricas, sociais, ecológicas, econômicas, tecnológicas, políticas etc.) e complexidade (inter-relações de componentes/elementos do meio), pois é sob tal foco que os problemas socioambientais tornam-se mais inteligíveis. (CARNEIRO, 2006, p. 59).

 

É necessário levar em consideração que a assunção desses princípios no dia-a-dia do fazer pedagógico constitui um enorme desafio para aqueles que estão acostumados ao paradigma tradicional de ensino. O desenvolvimento de uma educação  crítico-reflexiva, transformadora e emancipatória demanda uma capacitação permanente do quadro de professores, melhoria das condições salariais e de trabalho, assim como a aquisição de referenciais teóricos e experienciais, bem como material de apoio. Sem essas medidas, é quase impossível viabilizar o ideário do desenvolvimento sustentável, que em última instância objetiva um crescimento econômico viável acompanhado por justiça social e proteção ambiental. Não foi sem razão que Sachs (2004, p. 4) afirmou que a educação constitui uma grande aliada para a promoção do desenvolvimento includente, sustentável e sustentado, pois ela favorece o despertar cultural, a conscientização, a compreensão dos direitos humanos, aumentando a adaptabilidade e o sentido de autonomia, bem como a autoconfiança e auto-estima.

 

Considerações finais

Desenvolvimento sustentável e educação são termos da mesma equação que compõem o desenvolvimento includente, sustentável e sustentado.

É necessário levar em consideração que a formação do “sujeito ecológico” isto é, o educando que possui não apenas uma compreensão política e técnica da crise socioambiental, mas também um comportamento mais atuante e participativo como cidadão, é um processo que demanda não somente tempo, mas também capacitação permanente do quadro de professores, melhoria das condições salariais e de trabalho, assim como a aquisição de referenciais teóricos e experienciais, bem como material de apoio (CARVALHO, 2004).

 

Para que a educação contemporânea seja uma grande aliada do desenvolvimento sustentável, mister se faz que  que ela: supere a compreensão reducionista, fragmentada e unilateral da problemática ambiental; transcenda a percepção naturalista e conservadora de meio ambiente; deixe de lado a abordagem despolitizada, acrítica e ingênua da temática ambiental; incorpore em seu projeto político-pedagógico princípios e práticas que envolvam a transversalidade, a multidisciplinaridade  e  interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade e que evite ao máximo a dicotomização entre as dimensões socioculturais e naturais da crise ambiental.

 

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Ilustrações: Silvana Santos