Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Breves Comunicações
04/06/2011 (Nº 36) Breve ensaio sobre urubus e corujas
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Revista Educação Ambiental em Ação 36

BREVE ENSAIO SOBRE URUBUS E CORUJAS

 

Édison Cardoso TEIXEIRA1

 

1. VIDA SILVESTRE – Grupo de Pesquisas em Ecologia e Conservação da Vida Silvestre. Rua Arthur Bernardes, 43, Bom Sucesso, Gravataí, RS. E-mail: grupovidasilvestre@gmail.com

 

 

De forma geral as aves são um dos grupos animais que mais desperta a atenção e a admiração da espécie humana. Não é de hoje que os homens se encantam com a observação do vôo destes organismos – o que despertou e instigou em nossa espécie a vontade de também nos antepor ao solo e então poder desfrutar o prazer de voar. De fato este grupo animal é associado a palavras como liberdade, harmonia e paz. Fora seu voar, as aves encantam com seu mundo a parte de cores, plumas e cantos melódicos.

As aves possuem uma ampla distribuição em todas partes do mundo, ocupando uma grande variedade de habitats (são capazes de adaptar-se a áreas nativas e áreas fortemente antropizadas como as grandes metrópoles). Outra questão importante é que este grupo animal é de extrema importância em estudos ambientais devido a sua característica comportamental e ecológica como indicadores de qualidade e sustentabilidade do meio onde se encontram. Mudanças na composição de um hábitat provocam uma resposta a distribuição, abundância e riqueza destes animais. Além disto, há muito as aves fazem parte de diferentes aspectos de diferentes culturas pelo globo. Em certos países e mesmo regiões as aves são sagradas ou personificam entidades divinas. Em outros casos temos diferentes espécies de aves como representação de diferentes qualidades e aspectos humanos. Neste contexto encontramos os urubus e as corujas.

Os urubus são aves de grande porte enquadrados na família denominada Cathartidae. Em nosso estado temos a presença de quatro espécies de urubus: Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), Urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), Urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus) e Urubu-rei (Sarcoramphus papa – sendo esta uma espécie seriamente ameaçada de extinção). Geralmente associados a agouro, azar e má sorte estes animais não só são alvos precipitados de asco e horror como são descriminados dentro do grupo das aves. Sua coloração em grande parte negra, que faz com que nossa espécie o associe a escuridão e morte, contribui para esta falsa imagem. Outro fator que também gera tal comportamento nos homens é sua dieta. Os urubus em geral caçam pequenos animais ou animais já fragilizados, porém o principal componente de sua alimentação é mesmo os cadáveres de outros organismos. Para tanto possuem adaptações fisiológicas e estruturais que favorecem esta dieta. Sua cabeça não possui penas, o que evita que fiquem lambuzados com os fluidos provenientes de suas presas bem como, possuem um bico forte e afiado que permite cortar com maior facilidade. O olfato destes animais também é bem aguçado, assim como a visão. São “experts” na arte de planar. Utilizam este recurso de forma muito eficiente com intuito de economizar energia do bater de asas e atingir grandes alturas no céu. Para tanto se aproveitam das correntes de ar quente ascendentes e de suas largas e grandes asas.

Os Urubus sofreram grande perseguição nas décadas de sessenta e setenta por fazendeiros do sul de nosso estado, por acreditarem de forma não comprovada e de certa forma “mitológica” que estas aves eram agentes de doenças entre os animais de criação. Com esta idéia implantada, os urubus foram caçados e abatidos com uso de armas e de venenos o que praticamente acabou com muitas populações destas aves nas áreas mais ao sul do Rio Grande do Sul. Em seu livro sobre as aves do Rio Grande do Sul, Belton1 apresenta esta questão de forma clara descrevendo como este fato contribuiu para a atual diferenciação da distribuição e abundância destes animais nas diferentes regiões de nosso estado. O resultado deste ato foi sim um maior índice de doenças entre os animais das fazendas pelo acúmulo de cadáveres em decomposição que ali ficavam por um longo tempo expostos no solo.

Nos dias atuais com a ampliação da fragmentação o acelerado crescimento urbano os urubus passaram a freqüentar de forma comum os grandes centros urbanos. Não difícil ao olhar no alto de prédios, em determinadas regiões, e verificar a presença destas aves. Estas se adaptaram muito bem as nossas cidades consideradas ilhas de concreto e produtoras dos mais diversos dejetos. Neste ambiente os urubus – aí cabe a exceção para o Urubu-rei que é uma ave extremamente especialista e de hábitat restrito a grandes áreas preservadas de vegetação natural – encontram inúmeros locais de pouso e locais propícios para nidificação. Os ninhos destas aves são naturalmente feitos em áreas rochosas e paredões de pedra, o que leva esta ave a encontrar nos prédios uma semelhança física para construção de seus ninhos: a retenção de calor e a solidez da estrutura. Geralmente põem de dois a três ovos que ao nascerem são totalmente de plumagem branca, para confundirem-se com o meio e assim confundir os predadores.

Em síntese os urubus são aves muito importantes para o funcionamento e a dinâmica dos ecossistemas onde se inserem. São aves reguladoras das populações de suas presas (como ratos e invertebrados diversos) bem como são os “lixeiros” do ambiente limpando o meio de cadáveres e dejetos de outros organismos. Sendo assim auxiliam na renovação e ciclagem de nutrientes. Sua coloração é uma adaptação muito funcional ao seu estilo de vida. Além disso os urubus não são totalmente pretos! Apresentam manchas ou tarjas brancas em seu corpo e coloração vermelha ou amarela em sua cabeça. Destaque para o Urubu-rei que possui muitas cores em suas penas e em seu rosto, longe de ser totalmente preto. Os urubus são afetivos e muito sociáveis. Vivem em grupos ou no mínimo (caso do Urubu-rei) em casais. São unidos e passam longe do egoísmo, preocupando-se sempre com o grupo e não com o indivíduo. Mais um exemplo dado pela natureza de convívio social.

As corujas, assim como os urubus também incorporam predições humanas, porém estas dividem-se entre símbolos positivos e negativos. Este animal tanto é associado a conhecimento e sabedoria, como a azar e assombração. As corujas podem pertencer a duas famílias, de acordo com sua espécie: Tytonidae ou Strigidae. Inserido nestas famílias temos treze espécies ocorrentes em nosso estado divididas entre corujas, mochos, caburés, jacurutus e mucurututu, porém de forma geral todas são chamadas vulgarmente de corujas. Existem corujas de diferentes cores (todas discretas e opacas) e com tamanhos que podem variar de 16cm à 50cm.

Talvez as características com que estes animais sejam associados a tais simbologias são seu piado tido como misterioso e aterrorizador, seu hábito de maioria noturno, seus grandes olhos e capacidade de girar a cabeça para observar ângulos de até 270°. Por serem praticamente de vivência noturna estes animais possuem vastos olhos e arranjos de suas penas de entorno da região destes adaptados para facilitar a visão. Esta característica também influencia na melhor audição destes animais. Corujas possuem um senso auditivo acurado que possibilita a caça noturna, além de desenvolverem sistemas morfológicos que minimizam o barulho de seu vôo. São aves de rapina, isto é, caçadoras, juntamente com os gaviões e falcões. Sendo assim são de suma importância para a regulação e sustentabilidade do ambiente onde se inserem.

As corujas são adaptadas aos mais diversos ambientes: arenosos, úmidos, matas fechadas e campos. Uma espécie em especial possui a curiosidade de ter se adaptado ao topo das igrejas com torres altas, tendo seu nome conhecido como Coruja-da-igreja. O piado de cada espécie é único. Pesquisadores que buscam levantar a presença destes animais em determinadas regiões devem saber identificar cada espécie por sua vocalização, pois em muitos casos é praticamente impossível visualizar a presença da ave na área.

Outra característica importante destes animais é a prática do regurgito. Trata-se do processo de expelir, após degustação e digestão do alimento, materiais como pêlos, carapaças e ossos de suas presas (ratos, pequenos répteis e artrópodes) em forma de pequenas pelotas via bico. Pesquisadores se utilizam desta característica para analisarem a alimentação e mesmo localizar indivíduos destas aves. Neste contexto, produziu-se até um filme infantil no ano de dois mil e dez que abordava de forma clara este processo.

A muito, as corujas são o símbolo do conhecimento tendo como destaque o uso desta como representação do ensino e do curso de Letras. Porém também este animal é apresentado como agouro e amplamente utilizado em filmes de terror por sua fama de animal assombrado.

As corujas, como as demais aves, são animais fantásticos e de estrema importância no mundo biológico. Cabe a nós, humanos, uma busca de conhecimento sobre as diferentes espécies que conosco dividem este planeta. O afeto e a compaixão pela vida, como um todo dependem de um melhor conhecimento, que supere crenças e especulações sobre o comportamento de cada ser vivo. O respeito se desenvolve a partir deste passo importante do conhecer. É ilusão querer proteger sem antes realmente conhecer, pois podemos causar ainda mais danos mesmo sem a intenção de fazê-lo.

Independente da corrente de pensamento que possuímos, atualmente é consenso tanto para criacionistas como evolucionistas que os animais apresentam sim um grande grau de sentimento. O medo é uma característica que aponta isto. Precisamos aprender a ver os animais com olhos mais próximos e perceber que certos atitudes, como a proteção da prole e o convívio em comunidade, são exemplos de uma expressão de amor e não mero extinto.

Ilustrações: Silvana Santos